Um dos beneficiados com o esquema é o jogador Andrei Frascarelli, de 40 anos. Ele já jogou nos times principais do Palmeiras, Flamengo e Santos. Em outubro do ano passado, ele foi um dos destaques do torneio Rio-São Paulo de Showbol.
Na época do torneio, ele recebia um auxílio-doença do INSS, no valor de R$ 3 mil mensais. Os motivos alegados seriam a instabilidade crônica do joelho e condromalácia da rótula, uma doença degenerativa em um dos principais ossos do joelho.
Os próprios golpistas, em conversas por telefone, comentaram que foi um erro Andrei ter aparecido jogando bola, enquanto recebia o benefício.
Carapicuíba
As investigações começaram em Carapicuíba, na Grande São Paulo, há oito meses. A fraude iniciava na porta da agência do INSS. Depois de abordar o segurado, a quadrilha o levava para o escritório do grupo, que ficava a apenas 500 metros da agência do INSS .
O passo seguinte era falsificar os exames apresentados na perícia. Alguns dos laudos e atestados falsos saíam de um centro médico que pertencia aos chefes da quadrilha.
Depois, segundo a polícia, os donos do escritório passavam uma lista com os nomes desses clientes para um servidor que trabalhava no INSS, que tinha a senha dos computadores da instituição. Em Carapicuíba, essa pessoa era Renata Aparecida dos Santos. Ela é acusada de manipular a agenda de perícias e encaminhar os falsos doentes ao médico que liberava o auxilio doença de forma irregular.
Ela recebeu grande quantidade de dinheiro e também de materiais de construção pra uma reforma na sua casa. Hoje, Renata está presa e sua advogada não quis falar.
O perito de Carapicuíba envolvido na fraude é o médico Adrian Ortega. Conversas gravadas com autorização da justiça entre ele o empresário Marcos Agopian, apontado como um dos chefes da quadrilha, mostram que Agopian determinava quem o perito deveria atender e em qual horário.
Segundo as investigações, o perito aceitava todo tipo de propina para liberar o auxílio-doença. O perito quase foi para Cancún, no México em um pacote de cerca de R$ 30 mil pago pela quadrilha, mas a fraude foi descoberta a tempo, segundo o Ministério Público Federal.
Adrian Ortega foi preso em junho e agora responde em liberdade. Seu advogado, Luís Carlos Dias Torres, afirma que ele não recebeu propina. “Todos os laudos que ele emitiu retratavam a opinião médica e técnica dele a respeito daquele paciente”, diz Torres. Quanto aos valores recebidos por Ortega, o advogado afirma que “havia relações empresariais e comerciais entre eles que não tinham nada a ver com as funções que ele exercia no INSS”.
Quem conseguia o auxílio-doença tinha que dar o primeiro pagamento à quadrilha, ou uma porcentagem do valor recebido durante alguns meses.
A quadrilha também se aproveitava do desespero de algumas pessoas que tinham problema de saúde, mas não conseguiam o auxílio-doença. É o caso de Francisco, de 35 anos. Ele tem uma doença no sistema nervoso central. Pagou R$ 265 aos golpistas e recebeu o auxílio-doença. Quando a fraude foi descoberta, uma junta médica constatou os problemas de saúde dele. O benefício de Francisco não foi cancelado e ele não será processado.
Segundo o delegado Ulisses Francisco Mendes, dos 169 acusados de receber o benefício irregular, já há confirmação que 149 segurados e mais 12 familiares receberam o benefício sem ter o direito.
Osasco
Parte dos benefícios irregulares também saiu de outra agência do INSS da Grande São Paulo. Em Osasco, são acusados de participar do esquema o perito Rubens de Oliveira e o técnico administrativo Leonilso Sanfelice.
Foi nesta agência que o ex-jogador Andrei conseguiu o auxílio-doença, por ter problemas no joelho. Em maio deste ano, antes de passar de novo pela perícia, o servidor Sanfelice aconselhou Andrei a falar pouco com o médico, pois a funcionária da sala ao lado poderia escutar.
Segundo o INSS, Andrei recebe o auxílio-doença há um ano e meio. Ele tem o benefício do INSS como única fonte de renda comprovada, segundo o Ministério Público.
“Acreditamos que um dos motivos que o levou a procurar esse benefício seria para conseguir pagar um valor menor a sua ex-mulher e ao seu filho, de pensão alimentícia”, diz a procuradora da República Fabiana Rodrigues de Souza Bortz.
A advogada do jogador, Célia Marcondes Smith, nega que o auxílio-doença seja uma forma de Andrei pagar menos pensão alimentícia e diz que não houve pagamento de propina. “O funcionário, quando atende bem, pede realmente alguma gorjeta. Infelizmente, no Brasil, essas coisas acontecem. Se ele teve que dar alguma coisa, enganaram-no. Em nenhum momento, ele pensou que pudesse ser um grupo que tivesse fazendo parte de algum crime”, disse.
Acusados de chefiar a quadrilha, os irmãos Marcos e Vanderlei Agopian, estão foragidos. O perito de Osasco, Rubens de Oliveira, está na cadeia. Os advogados dos três preferiram não se manifestar.
O técnico administrativo da previdência, Leonilso Sanfelice, responde em liberdade e não quis gravar entrevista.
Só este ano, as fraudes contra o INSS chegam a R$ 19 milhões. Segundo o presidente do INSS, quem se beneficiou irregularmente, vai ter que devolver. “Nós vamos em busca de recursos, incialmente, financeiros. Se não tiver, de seus bens. Falecido, os herdeiros serão responsabilizados.”
Dificuldades
Enquanto isso, quem direito ao benefício quem contribuiu mais de um ano com a Previdência e está impedido de trabalhar por doença ou acidente por mais de quinze dias. A pessoa passa por um perito e o auxílio é cancelado quando ela se recupera.
Pessoas que tentam conseguir o auxílio-doença honestamente enfrentam dificuldades. É o caso de Ana Lúcia Silva, de São Paulo. Ela já foi secretária, analista e atendente de telemarketing. Em 2007, a saúde começou a piorar depois de uma cirurgia de hérnia de disco.
Aos 42 anos, ela depende da filha caçula, de 12, que a ajuda a se trocar e a se alimentar. Ana chegou a receber auxílio-doença por cinco anos, mas o benefício foi suspenso no ano passado, porque ela faltou a uma das avaliações. Depois disso, Ana voltou a procurar o INSS. Depois de seis meses tentando retomar o benefício, Ana finalmente será aposentada por invalidez.
Ana Lúcia, que não participou de nenhuma fraude e ficou desde o começo do ano sem receber o auxílio-doença, diz como se sente ao saber desses golpes. “Revoltada completamente. Pessoas sadias que ganham valores altíssimos e a gente fica brigando por causa de um salário mínimo. É tudo muito vergonhoso.”
AUTOR: FANTÁSTICO
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