Enquanto toneladas de alimentos são perdidas todos os dias no Planeta, graças a uma série de descasos por parte de todos os segmentos da sociedade, cerca de 870 milhões de pessoas ao redor do mundo passam fome, sem incluir as que não chegam a tanto, mas ainda enfrentam necessidades alimentícias.
A legislação brasileira é rigorosa, segundo a maioria dos especialistas, no que diz respeito aos prazos de validade dos alimentos, o que ocasiona o seu descarte, notadamente, em lixões. Famílias inteiras necessitadas procuram nesses locais o que comer e, o que foi descartado por restaurantes e supermercados, acaba retornando à mesa de alguém.
A exemplo da maioria das cidades brasileiras, Juazeiro do Norte, no sul do Ceará (Região do Cariri), não resolveu ainda o problema da destinação final dos seus resíduos, mesmo com a implantação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que exige o fim dos lixões a partir desse mês. A nova legislação determina a substituição dos lixões pelos aterros sanitários. E foi num deles que encontramos, entre os catadores, Jesuíte Barbosa da Silva, a dona Dita, de 55 anos, mãe de 14 filhos, retirando do lixo alimentos vencidos para o consumo de seus familiares.
Sem escolha
"Quem tem fome não tem escolha. Não tenho vergonha de dizer que pego muita coisa do que a gente come no almoço do lixo. Mas são mercadorias que ainda estão boas. Graças a Deus, nunca ninguém aqui adoeceu por causa disso", relata dona Dita, que mora com o esposo e o resto da família numa pequena casa de taipa e de chão batido, de apenas três cômodos.
A dona de casa nos mostrou a sua cozinha. Nela existe um fogão desgastado, que é usado ocasionalmente, "quando aparece gás", uma velha geladeira e uma prateleira improvisada, onde encontramos, dentre outros alimentos recolhidos do lixo, caixas de manteiga, macarrão, ovos, margarina, iogurte e latas de sardinha.
"Eles (os caminhões) despejam às carradas. Fica tudo junto, pois os alimentos são misturados com os remédios vencidos e até seringas utilizadas. Isso é um erro muito grande. Como é que jogam essa comida no lixo. Poderiam separar e nos doar antes de misturar tudo". Segundo dona Dita, houve uma época em que os funcionários da Prefeitura jogavam óleo diesel e creolina nos alimentos vencidos para ninguém pegar.
O esposo de dona Dita, José William Amaro da Silva, 49 anos, trabalha como catador. Além da atividade que lhe rende, "quando o dia é proveitoso", de R$ 10,00 a R$ 20,00, a família recebe R$ 300,00 do Bolsa Família. "Esse dinheiro dá só para pagar a água e a energia, além de um cafezinho de manhã e uma refeição diária. O restante a gente tem que se virar com o que recolhe do lixo. Tem dia que despejam uma carne que chega plastificada. A disputa entre quem trabalha no lixão é grande. É o tipo do alimento que tem que ser consumido logo. Do contrário, a gente repassa para outra pessoa para evitar que se apodreça", revela seu William.
Temor
Retirar comida do lixo para comer, como não poderia deixar de ser, é visto como um ato humilhante pelos catadores. No lixão, a maioria dessas pessoas nega que exista tal prática ali. Um deles, porém, reservadamente, informou que o problema ocorre. "O pessoal tem medo de falar temendo que a fiscalização venha aqui e proíba a entradas dos caminhões, o que seria ruim para todos nós", conta o catador que pediu para não ser identificado. Foi ele quem nos forneceu o endereço de dona Dita.
William confirma esse temor. "É verdade. São muitas pessoas que fazem isso. Se vocês forem procurar, muitas vão negar. Acham que é crime. Para mim, o errado é roubar. Se não temos condição de adquirir alimentos e eles estão aí em boas condições, não podemos pensar duas vezes", desabafa seu William, que diz "ter ouvido a história de que em breve o local será fechado. Se isso acontecer de uma hora para outra, não sei de onde retiraremos a comida que precisamos para sobreviver".
AUTOR: DN
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