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domingo, 27 de janeiro de 2013

ESPECIAL: ANTIGAS DOENÇAS AINDA TÊM TRANSMISSÃO NO CEARÁ

Casas de taipa e sem saneamento podem abrigar vetores de doenças graves (Foto: Antonio Carlos Alves)

No século XXI, mesmo com todos os avanços da Medicina e um ganho de quase 12 anos na expectativa de vida nas últimas três décadas, ainda há quem sofra com doenças relacionadas às condições básicas de higiene. Patologias antigas e consideradas pelo Ministério da Saúde (MS)como em processo de erradicação, como tracoma, esquistossomose, doença de Chagas, tuberculose, hanseníase e leishmaniose, continuam fazendo vítimas entre quem mora no Estado.

Em Fortaleza, apesar de ter erradicado tecnicamente quatro dessas doenças, o contágio da tuberculose, leishmaniose e hanseníase preocupa. No caso da leishmaniose visceral, mais conhecida como calazar, o número de óbitos triplicou em 2012. Na Capital cearense, no ano passado, 19 pessoas morreram, contra seis em 2011.

Segundo o boletim epidemiológico mais recente da Secretaria da Saúde do Estado do Ceará (Sesa), relativo à tuberculose, de outubro do ano passado, somente 19 municípios cearenses não tiveram notificações da doença. Já de hanseníase, de acordo com dados do boletim da Sesa de junho de 2012, foram diagnosticados 2.003 casos novos, alcançando um coeficiente de detecção geral de 23,7por cada 100 mil habitantes, taxa considerada muito alta pelo MS.

Interior

Segundo o coordenador de Promoção e Proteção à Saúde da Sesa, Manoel Fonsêca, o tracoma ocorre em todas as localidades do Estado e está relacionado com a escassez de água e à presença de insetos vetores, como a mosca doméstica. Neste ano, ainda segundo o coordenador, deverá ser iniciado um projeto piloto de prevenção por meio do controle ecológico dos vetores em 13 municípios. O projeto irá custar R$ 386 mil e será financiado pelo Ministério da Saúde.

Já a esquistossomose é controlada de forma rotineira na região do Cariri, Maciço de Baturité e Serra da Ibiapaba. "Anualmente, o Estado do Ceará realiza de 40 a 45 mil exames de fezes na população de diversas localidades de 23 municípios. A prevalência da doença é de 2%".

Tratamento

Segundo Anastácio Queiroz, diretor do Hospital São José, que recebe os casos mais complicados dessas doenças, a condição de vida tem relação direta com a contaminação. "Cuidados simples, como lavar as mãos, poderiam reduzir muito os casos registrados de algumas doenças, como o tracoma e a esquistossomose", explica.

Outro fator que favorece a proliferação é a falta de saneamento básico. Em Fortaleza, 53,71% das residências, ou seja, pouco mais da metade, têm acesso à cobertura de esgoto. No Interior do Estado, a cobertura não chega a um quarto das casas, com apenas 24,28%. Para a Cagece, ainda há resistência da população em aderir às redes de esgoto e, em algumas regiões, o nível de adesão só chega a 70% após cinco anos de implantação.

OPINIÃO DO ESPECIALISTA

Pela erradicação da pobreza
Odorico Monteiro

Médico, pós-doutor em Saúde Coletiva e secretário de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde

As doenças transmissíveis relacionadas à pobreza, durante algum tempo, foram chamadas de doenças negligenciadas, levando em consideração a redução de investimento em pesquisa científica e produção de medicamentos para prevenção e tratamento. Entretanto, o termo mais adequado é "doenças transmissíveis em processo de erradicação", visto que o primeiro passo para combatê-las é reconhecer isso e tomar atitudes de enfrentamento à vulnerabilidade social.

Uma das prioridades do governo brasileiro tem sido o combate à pobreza extrema e não é à toa que a palavra de ordem da presidenta Dilma é "País Rico é País sem Pobreza". Em 2011, o Brasil sediou a I Conferência Mundial dos Determinantes Sociais em Saúde, marco no reconhecimento de que é preciso um trabalho conjunto entre governo, representantes do complexo produtivo da saúde e sociedade civil para que sejam tomadas medidas concretas.

A ampliação do acesso dessas populações aos serviços de saúde, estratégias de integração da Atenção Primária, fortalecimento das Equipes de Saúde da Família e investimento em tecnologias devem integrar esta agenda. Todas essas ações devem ter como objetivo a melhoria da qualidade de vida das pessoas, diretamente ligada à distribuição de renda, urbanização e promoção da justiça social.

SAIBA MAIS

Hanseníase

Afeta a humanidade há mais de 4 mil anos. Acomete os nervos e a pele e provoca danos severos.

Leishmaniose Visceral

Também conhecida como calazar, é o segundo maior assassino parasitário no mundo. Atinge o fígado e o baço.

Doença de Chagas

Transmitida pelo "barbeiro", pode demorar até 50 anos para evoluir. Gera insuficiência cardíaca, com indicação de transplante

Tuberculose

Infecção, quando pulmonar, causa tosse com secreção, febre, suores noturnos, falta de apetite.

Tracoma

Doença altamente contagiosa que pode levar à cegueira. Transmitida pela mosca doméstica, tem registros no primeiro século dessa era.

Esquistossomose

Parasitose transmitida através da água e solo contaminados. Pode atingir o fígado e o baço e causar sangramentos no aparelho digestivo.

Chagas é a 3ª causa de transplante

A doença de Chagas, causada pelo protozoário Trypanosoma Cruzi, é a terceira causa de transplantes cardíacos no Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes. De 1999 até o ano passado, foram 34 procedimentos realizados em pacientes com a doença, o que representa cerca de 12% dos 268 transplantes feitos naquela unidade de saúde durante o período citado.

De acordo com o coordenador de transplante cardíaco do Hospital de Messejana, o cardiologista João David de Souza Neto, a primeira causa de transplantes é a miocardiopatia fisiopática, que não tem causa definida e a segunda, a miocardiopatia isquêmica, geralmente relacionada com o infarto do miocárdio. "Essa é a terceira causa de transplante, mas não temos um controle de quantos pacientes são do Ceará, porque não há um ambulatório específico para o chagado. O protozoário destrói as fibras do coração e, com o tempo, causa insuficiência cardíaca. No Ceará, sabemos que existe uma região endêmica no Vale do Jaguaribe", diz.

Casa de taipa

Vindo de Belém, o operador de muck, Domingos Marques, de 59 anos, se prepara para entrar na fila dos transplantes de coração. Internado no Hospital de Messejana, ele acredita ter adquirido a doença ainda na adolescência, quando morava em Abadia dos Dourados, em Minas Gerais. "Minha mãe, meu pai, um tio e um irmão já morreram com a doença. Antes, se chamava ´mal de repente´, porque não tinha explicação para o ataque cardíaco".

Na casa de taipa em que o operador de muck passou a infância e a adolescência, era comum encontrar o inseto transmissor, conhecido como barbeiro. "Até o colchonete que dormíamos, que era de capim ou palha de bananeira tinha ninhos dele. Ele picava a gente durante a noite, como qualquer inseto. Não sabíamos que era perigoso", diz.

Domingos Marques ainda relata que, naquela região, se temia mais o veneno que iria matar o inseto do que o próprio barbeiro. "As pessoas não permitiam que se entrasse em casa para jogar veneno, com medo de morrer. Mas tinham uma certa razão, porque o veneno era tão forte que matou quem trabalhava com isso", conta.

Os primeiros sintomas, como cansaço e fraqueza, surgiram há nove anos, quando ainda morava em Belém. Sem parentes em Fortaleza, a esposa e uma amiga, também vinda de Belém, se revezam nos cuidados com Domingos. "Quando eu soube que tinha, a doença já estava avançada. Já coloquei dois marca passos, mas eles não resolvem mais o problema e terei que esperar por outro coração na fila".

AUTOR: DN

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