A execução do traficante de drogas brasileiro, Marco Archer Cardoso Moreira, aos 53 anos, pela justiça da Indonésia suscitou um debate acalorado no Brasil.
A percepção de que a rigidez judicial seria uma alternativa certeira na redução das altas taxas de criminalidade brasileira, expressa em milhares de comentários pelas redes sociais, contudo, não é amparada pela experiência dos diversos países que a adotam, em uma ponta, e dos que a aboliram, em outra ponta. Na própria Indonésia, que recorre a execuções para lidar com crimes como o tráfico de drogas, há a previsão de um aumento de 45% no consumo de narcóticos até o fim deste ano.
O balanço foi apresentado pela Agência Nacional de Entorpecentes da Indonésia, em novembro do ano passado, e revelou que até 5,8 milhões de pessoas devem se tornar usuárias de drogas naquele país, cujos 40% da população vive com menos de R$ 5,00 por dia. Ainda assim, o recém-eleito presidente indonésio Joko Widodo promete levar a medieval eficaz prática adiante e já negou o pedido de clemência a mais um brasileiro: Rodrigo Gularte, de 42 anos, também condenado por tráfico.
Mas em grande parte do mundo, a prática da pena de morte está caindo em desuso. A imensa maioria dos países ou a aboliu inteiramente, como o fez o Canadá, por exemplo; ou a colocou em situações excepcionais, como fez o Brasil, que só a permite em tempos de guerra; ou mesmo, ainda prevendo-a legalmente,- tem evitado recorrer ao seu uso nos últimos dez anos, como ocorre no caso de Cuba.
Em 2013, segundo os dados mais recentes divulgados pela Anistia Internacional, 22 países a praticaram, sendo que o maior número dessas nações, dezesseis (72%), está na Ásia, incluindo gigantes como China, Índia e Japão. Na África, cinco países recorreram ao seu uso e nos outros três continentes, apenas os Estados Unidos a aplicaram. Cerca de outros 30 países realizaram pelo menos uma execução nos últimos dez anos, sendo que nessa lista apenas um país europeu aparece: a Bielorrússia.
De acordo com o assessor de Direitos Humanos da Anistia Internacional no Brasil, Maurício Santoro, "a maior parte dos países que ainda usam a pena de morte são regimes autoritários nos quais o uso da pena de morte responde mais a preocupações políticas do que propriamente a considerações acerca da segurança pública. Por outro lado, as nações mais seguras e estáveis do mundo - as da Europa Ocidental - aboliram a pena de morte. Não observamos qualquer relação de causa e efeito entre pena de morte e nível de crime".
Santoro explica também que hoje "a maior parte das execuções está concentrada num grupo muito pequeno de países: China, Irã, Iraque e Arábia Saudita"
Para Márcio Vitor de Albuquerque, advogado criminalista e professor de Direito Penal, "apena de morte vem perdendo o espaço no mundo inteiro em virtude da sua ineficácia e por ter um caráter vingativo, tornando a pena pior do que o próprio crime cometido, assemelhado ao que era utilizado na Idade Antiga e Média, como por exemplo, a Lei do Talião".
Ainda segundo Albuquerque, que é também doutorando em Processo Penal, pela Universidade de Coimbra, "se observarmos, na Indonésia a questão da criminalidade e do consumo de drogas vem atrelada profundamente ao fato da desigualdade social (...) Compete ao Brasil, e às outras nações através da via diplomática tentar suspender o uso desse tipo de pena".
Execução de estrangeiros faz polêmica ser ampliada
Se a aplicação da pena capital, por si só, já gera grande polêmica, o tema se torna ainda mais controverso quando envolve a execução de pessoas oriundas de países que não preveem a prática em seu arcabouço jurídico.
Retomando a situação da Indonésia, no mesmo dia em que o brasileiro Marco Archer foi executado, outros quatro prisioneiros, sendo três estrangeiros, sofreram o mesmo tipo de pena brutal. Nesse grupo, estava também o cidadão holandês Ang Kiem Soe. Brasil e Holanda não adotam a pena de morte (no caso brasileiro, pelo menos não em tempos de paz) e chamaram seus respectivos embaixadores em Jacarta para consultas. O gesto é interpretado como uma reprimenda no meio diplomático.
Além de aspectos éticos e morais, para o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, o desembargador José Renato Nalini, "vigora no Direito Internacional a reciprocidade. Há tratados que preveem a extradição. Aí, cumpre-se a lei nacional do condenado. O Brasil tem uma tradição de não extraditar aquele que será punido com a morte em seu país de origem".
Nalini que é Doutor em Direito Constitucional, pondera, no entanto, que "em passado não longínquo, um chefe de Estado brasileiro deixou de intervir na greve de fome de um prisioneiro sob argumento de que descabe ao Brasil se imiscuir na soberania alienígena (de outro país)", referindo-se a um caso de 2010, em que o ex-presidente Lula teria se negado a intervir por dissidentes cubanos presos pelo regime castrista.
O professor da Universidade Brasília, Carlos Eduardo Vidigal, Doutor em Relações Internacionais, acredita que independentemente de aspectos diplomáticos, "Estados soberanos têm a prerrogativa de elaborar suas leis, incluindo aquelas afetas aos estrangeiros e não há um instrumento superior que discipline o tema". Ele pontua que a execução de Archer não deve ter maiores desdobramentos, pois "o governo brasileiro levou seu protesto às últimas consequências, que é a retirada do embaixador no país em questão".
Brasil pode usar medida em 'tempos de guerra'
O ano era 1876 e o Brasil sequer tinha abolido a escravidão. Naquele contexto, coube justamente ao escravo Francisco, de Pilar das Alagoas, o ingrato papel histórico de ser o último brasileiro executado oficialmente.
Isso não significa que o Estado brasileiro não tenha dado cabo da vida de centenas ou até milhares de pessoas extraoficialmente, nos últimos 140 anos, principalmente nos dois períodos ditatoriais que ocorreram de lá para cá. E na verdade, mesmo a chamada "Constituição Cidadã", de 1988, não aboliu integralmente a possibilidade de uma nova execução legal.
Contudo, a hipótese só é prevista em "tempos de guerra" (ver infográfico ao lado) e se aplicaria dentro do âmbito do Direito Militar. O professor de Direito Internacional e coordenador adjunto do curso de Direito do Centro Universitário Estácio do Ceará, Rogério Silva, destaca que "as situações excepcionais e, para tanto, hipotéticas, demandariam a legitimidade dos órgãos com competência jurídico-militar". Ele lembra, no entanto, que "historicamente o Brasil, já enveredou por arbitrariedades, nos tempos de ditadura, contrário ao que determina a Constituição, ou seja, pela paz na resolução dos conflitos".
Silva cita ainda que "a constituição brasileira é garantista, vale dizer, tem previsão normativa que afasta a pena de morte, em tempos de paz, assegurado na ordem constitucional brasileira de 1988 o direito civil à vida, muito embora, a pena capital já encontrasse assento na Constituição do Império de 1824 e manifesta expressão na Carta Política de 1937".
Mas mesmo o caráter excepcional da aplicação da pena de morte no Brasil, chama a atenção do pesquisador. Ele questiona porque "curiosamente, a sociedade brasileira, que se quantifica majoritariamente cristã, apresenta um disparate de valores, como se pode abstrair das redes sociais, que parecem mesmo partilhar a ideia de um tribunal de exceção em face de um provável 'inimigo'". Ele lembra que o próprio Jesus Cristo foi condenado à morte.
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