Há um mês, a Escola Sinó Pinheiro, no bairro João Paulo II, fechou a única turma de Educação de Jovens e Adultos (EJA) e, por isso, os alunos da unidade tiveram que ser remanejados para a Escola Delma Hermínia, na Perimetral FOTO: KID JÚNIOR
Estudar parece missão impossível para Daniel (nome fictício), 23, morador do bairro João Paulo II. Há um mês, a escola que frequentava, Sinó Pinheiro, fechou a única turma de Educação de Jovens e Adultos (EJA) e, por isso, teve que ser remanejado para outra, Delma Hermínia, na Perimetral. Agora, muitas são as trincheiras que lhe impedem de seguir com os estudos. O tráfico, a disputa entre as gangues, os assaltos impuseram a ausência.
O Fórum de Defesa pelo Direito à Educação denuncia que, hoje, pelo menos 270 alunos estariam na mesma situação que Daniel, tudo por conta do medo, do cerco criado pela violência.
"Até tentei ir para a aula uma vez. Mas, no meio do caminho, os traficantes de lá começaram a atirar sem deixar a gente passar. Preferi ficar sem estudar que morrer. Um grande absurdo. Ou nos dão proteção ou abrem nossas turmas novamente", afirma o jovem garçom. Ele almeja um diploma para ter, quiçá, um emprego melhor. É quando o conhecimento, que deveria ser ilimitado, perde nessa "guerra civil".
A dona de casa Maria Ferreira Viana, 49, mora em frente à Escola Sinó Pinheiro, na Rua 13. Ela testemunha a dificuldade de deslocamento para a outra unidade, distante só 1km. "Não se pode fechar turma e abrir outra, assim, aleatoriamente. Não sabem que as gangues não deixam os grupos rivais passarem?".
A faxineira Antônia (nome fictício), 59, não deixou a filha de 16 anos ir para o "outro lado". Sabia que a menina poderia morrer. "Vivo com medo. Não se pode mais estudar em paz", diz.
Segundo Eliú Bento, presidente da Associação de Pais e Alunos de Escolas Públicas, as queixas só crescem. "Todo dia chegam novos casos assustadores de pessoas que estão com seu direito à educação cerceados", detalha.
Queda
Com o ordenamento, pela Secretaria Municipal de Educação (SME), de 80 polos centrais do EJA, antigas turmas foram remanejadas e pelo menos 58 unidades fecharam à noite. O Fórum denuncia uma redução no número de matriculados nessa modalidade: caíram, em 2012, de 17 mil para 14 mil neste ano.
Estima-se, segundo a entidade, que pelo menos mil deles estariam evadidos por conta da violência e da dificuldade de mobilidade para esses novos pontos de ensino. Conforme Laudenir Gomes, assessor do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca-Ceará), tudo isso já era uma "evasão anunciada".
E, conforme Gomes, a situação não se restringe ao João Paulo II. Diversas comunidades estariam sofrendo, alunos "forçados" a largar os estudos por não terem como se locomover e atravessar as fronteiras imaginárias.
Na Escola Sinó Pinheiro, conforme o Cedeca-Ceará, 200 alunos foram remanejados para a Delma Hermínia e apenas um estaria frequentando a turma do EJA. No outro lado da Cidade, a cena se repete: 80 alunos, remanejados da Escola Clodoaldo Pinto, no Padre Andrade, estão tendo dificuldade de se deslocar até o Gabriel Cavalcante, no Presidente Kennedy e apenas nove estariam em sala. "Já comunicamos Ministério Público Estadual e queremos, agora, esclarecimento do secretário Ivo Gomes", finaliza Laudenir Gomes.
SAIBA MAIS
1. No dia 14 de março, a Secretaria Municipal de Educação (SME) anunciou que os alunos de 62 escolas da Educação de Jovens e Adultos (EJA), de Fortaleza, seriam, então, remanejados para outros polos.
2. A falta de estrutura e o baixo número de alunos nas salas de aulas do EJA forçaram essa mudança
3. Alteração gerou reclamação em diversas entidades sociais que defendem a manutenção das escolas à noite. Temem que pessoas idosas deixem de frequentar as salas
4. Outro motivo de reclamação das entidades e movimentos sociais é o deslocamento dos professores, que moram perto das escolas e serão obrigados a lecionar em outras instituições de ensino mais longe
´Passecard´ pode reduzir abandono
O atual coordenador de Gestão Escolar da Secretaria Municipal de Educação (SME), João Lúcio de Alcântara, diz até reconhecer os problemas da violência, mas acredita que o maior desafio seja mesmo a mobilidade. "O que mais tem atrapalhado é a dificuldade de locomoção. Para isso, estamos estudando dar para os estudantes um Passecard para que possam ter maior assiduidade, mais estímulo", afirma.
Sobre a redução dos alunos nas salas de aula e os possíveis cerceamentos ao direito à educação, João Lúcio comenta que tudo será, sim, enfrentado. "Precisamos ressaltar que as matrículas para a Educação de Jovens e Adultos (EJA) ainda seguem abertas e que eles podem voltar quando quiserem. Sabemos dos desafios dessa modalidade e acreditamos que esse formato de polarização em núcleos será, sim, mais eficaz", detalha.
Ainda segundo ele, os dados apresentados pelo Fórum de Defesa do Direito à Educação não procedem. A decisão de remanejar teria sido feita a partir da constatação de que, segundo Lúcio, 63% dos alunos matriculados na EJA em 2012 evadiram.
"Constatamos a dificuldade em formar turmas e a falta de estrutura em algumas escolas. Daí, centralizamos tudo em 80 polos mais organizados e com possibilidades de garantir uma educação de qualidade", diz.
Sobre a violência, o gestor comenta da necessidade de se pensar as politicas complementares. "Não adianta só policiamento".
Polêmica
Para o advogado e assessor do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca-CE), Márcio Allan Moreira, os problemas e as soluções não são tão simples. Fechar turmas, segundo ele, não é meio de estímulo e a decisão teria sido tomada de forma autoritária. "A política da educação tem que ser descentralizada. O aluno do EJA já tem suas vulnerabilidades, e isso piorou mais. Tem que se priorizar esse segmento", diz. Redução da violência passaria por um maior envolvimento da sociedade.
AUTOR: DN
Estudar parece missão impossível para Daniel (nome fictício), 23, morador do bairro João Paulo II. Há um mês, a escola que frequentava, Sinó Pinheiro, fechou a única turma de Educação de Jovens e Adultos (EJA) e, por isso, teve que ser remanejado para outra, Delma Hermínia, na Perimetral. Agora, muitas são as trincheiras que lhe impedem de seguir com os estudos. O tráfico, a disputa entre as gangues, os assaltos impuseram a ausência.
O Fórum de Defesa pelo Direito à Educação denuncia que, hoje, pelo menos 270 alunos estariam na mesma situação que Daniel, tudo por conta do medo, do cerco criado pela violência.
"Até tentei ir para a aula uma vez. Mas, no meio do caminho, os traficantes de lá começaram a atirar sem deixar a gente passar. Preferi ficar sem estudar que morrer. Um grande absurdo. Ou nos dão proteção ou abrem nossas turmas novamente", afirma o jovem garçom. Ele almeja um diploma para ter, quiçá, um emprego melhor. É quando o conhecimento, que deveria ser ilimitado, perde nessa "guerra civil".
A dona de casa Maria Ferreira Viana, 49, mora em frente à Escola Sinó Pinheiro, na Rua 13. Ela testemunha a dificuldade de deslocamento para a outra unidade, distante só 1km. "Não se pode fechar turma e abrir outra, assim, aleatoriamente. Não sabem que as gangues não deixam os grupos rivais passarem?".
A faxineira Antônia (nome fictício), 59, não deixou a filha de 16 anos ir para o "outro lado". Sabia que a menina poderia morrer. "Vivo com medo. Não se pode mais estudar em paz", diz.
Segundo Eliú Bento, presidente da Associação de Pais e Alunos de Escolas Públicas, as queixas só crescem. "Todo dia chegam novos casos assustadores de pessoas que estão com seu direito à educação cerceados", detalha.
Queda
Com o ordenamento, pela Secretaria Municipal de Educação (SME), de 80 polos centrais do EJA, antigas turmas foram remanejadas e pelo menos 58 unidades fecharam à noite. O Fórum denuncia uma redução no número de matriculados nessa modalidade: caíram, em 2012, de 17 mil para 14 mil neste ano.
Estima-se, segundo a entidade, que pelo menos mil deles estariam evadidos por conta da violência e da dificuldade de mobilidade para esses novos pontos de ensino. Conforme Laudenir Gomes, assessor do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca-Ceará), tudo isso já era uma "evasão anunciada".
E, conforme Gomes, a situação não se restringe ao João Paulo II. Diversas comunidades estariam sofrendo, alunos "forçados" a largar os estudos por não terem como se locomover e atravessar as fronteiras imaginárias.
Na Escola Sinó Pinheiro, conforme o Cedeca-Ceará, 200 alunos foram remanejados para a Delma Hermínia e apenas um estaria frequentando a turma do EJA. No outro lado da Cidade, a cena se repete: 80 alunos, remanejados da Escola Clodoaldo Pinto, no Padre Andrade, estão tendo dificuldade de se deslocar até o Gabriel Cavalcante, no Presidente Kennedy e apenas nove estariam em sala. "Já comunicamos Ministério Público Estadual e queremos, agora, esclarecimento do secretário Ivo Gomes", finaliza Laudenir Gomes.
SAIBA MAIS
1. No dia 14 de março, a Secretaria Municipal de Educação (SME) anunciou que os alunos de 62 escolas da Educação de Jovens e Adultos (EJA), de Fortaleza, seriam, então, remanejados para outros polos.
2. A falta de estrutura e o baixo número de alunos nas salas de aulas do EJA forçaram essa mudança
3. Alteração gerou reclamação em diversas entidades sociais que defendem a manutenção das escolas à noite. Temem que pessoas idosas deixem de frequentar as salas
4. Outro motivo de reclamação das entidades e movimentos sociais é o deslocamento dos professores, que moram perto das escolas e serão obrigados a lecionar em outras instituições de ensino mais longe
´Passecard´ pode reduzir abandono
O atual coordenador de Gestão Escolar da Secretaria Municipal de Educação (SME), João Lúcio de Alcântara, diz até reconhecer os problemas da violência, mas acredita que o maior desafio seja mesmo a mobilidade. "O que mais tem atrapalhado é a dificuldade de locomoção. Para isso, estamos estudando dar para os estudantes um Passecard para que possam ter maior assiduidade, mais estímulo", afirma.
Sobre a redução dos alunos nas salas de aula e os possíveis cerceamentos ao direito à educação, João Lúcio comenta que tudo será, sim, enfrentado. "Precisamos ressaltar que as matrículas para a Educação de Jovens e Adultos (EJA) ainda seguem abertas e que eles podem voltar quando quiserem. Sabemos dos desafios dessa modalidade e acreditamos que esse formato de polarização em núcleos será, sim, mais eficaz", detalha.
Ainda segundo ele, os dados apresentados pelo Fórum de Defesa do Direito à Educação não procedem. A decisão de remanejar teria sido feita a partir da constatação de que, segundo Lúcio, 63% dos alunos matriculados na EJA em 2012 evadiram.
"Constatamos a dificuldade em formar turmas e a falta de estrutura em algumas escolas. Daí, centralizamos tudo em 80 polos mais organizados e com possibilidades de garantir uma educação de qualidade", diz.
Sobre a violência, o gestor comenta da necessidade de se pensar as politicas complementares. "Não adianta só policiamento".
Polêmica
Para o advogado e assessor do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca-CE), Márcio Allan Moreira, os problemas e as soluções não são tão simples. Fechar turmas, segundo ele, não é meio de estímulo e a decisão teria sido tomada de forma autoritária. "A política da educação tem que ser descentralizada. O aluno do EJA já tem suas vulnerabilidades, e isso piorou mais. Tem que se priorizar esse segmento", diz. Redução da violência passaria por um maior envolvimento da sociedade.
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