Ele e o amigo haviam sido as primeiras vítimas do banho de sangue promovido por policiais militares na região. Foram assassinadas 29 pessoas no crime conhecido como a Chacina da Baixada, a maior da história do estado do Rio de Janeiro. Para Lucilene, pouca coisa mudou na região desde então.
“Muitos grupos [de extermínio] continuam agindo aqui na região, vários jovens continuam a morrer”, lamenta.
“Meu convívio é pacífico. Tomo café dentro do batalhão. Eu lido sem generalizar a instituição toda por um grupo que cometeu esse absurdo”, afirma ela, que acredita que todas as ferramentas legais foram usadas no caso.Mesmo assim, apesar da tragédia que marcou sua família, afirma manter uma relação de respeito com os PMs da região.
“Deixei toda a raiva e a sede de vingança de lado. A Justiça dos homens já fez a sua parte, que Deus julgue eles agora”.
Luciene conta que soube do que havia acontecido quando um dos irmãos de Raphael, que levava uma irmã para a escola, passou na frente a uma banca de jornal e viu a foto.
“O natural é o filho enterrar os pais, e não o pai enterrar os filhos. O mundo desabou em cima de mim e da minha família. Enquanto eu não o vi no caixão, a ficha não caiu. Aí foi aquele desespero”, relata, emocionada, em entrevista ao G1.
Denúncias
Após uma reunião em um bar em Nova Iguaçu, um grupo de policiais militares revoltados com o endurecimento na conduta após uma troca de comando nos batalhões da PM da região passou atirando a esmo por ruas do município, assassinando quem estava pelo caminho. Depois, seguiram pelas ruas de Queimados, município vizinho, seguindo a mesma estratégia de matar o maior número de pessoas possível.
“A chacina aconteceu de quinta para sexta. Antes do meio-dia de sexta, identificamos 15 pessoas que poderiam estar envolvidas. Pelo nosso banco de dados, chegamos aos cinco envolvidos. Depois soubemos que um deles não estava envolvido diretamente. Mas os outros quatro estavam. No sábado já tínhamos os nomes”, conta Zeca Borges.
A ajuda da população, por meio de denúncias anônimas, foi fundamental para esclarecer o que aconteceu naquela noite e prender os envolvidos.
“A chacina foi esclarecida em menos de 72 horas após ocorrida. Além disso, informamos qual era o carro com o sangue das vítimas, que serviu como prova para a condenação. Nós demos a linha de investigação para a promotoria,” completa Zeca.
O promotor responsável pelo caso, Marcelo Muniz, confirma a importância da ferramenta.
“Aconteceram duas investigações: uma da Polícia Civil e outra da Polícia Federal. O Disque-Denúncia foi fundamental porque confirmava as investigações das duas.”
Uma hora antes da tragédia, Luzia Márcia Moura falou ao telefone com o filho Sandro, de 16 anos, como contou à equipe de reportagem do Bom Dia Rio.
“Era uma hora, uma hora antes... Aí, eu falei: Sandro, não demora. Porque ele saiu de casa às 19h. Quando era umas 20 horas liguei e falei não demora. Aí ele falou: eu vou passar aqui, vou ver meus colegas e vou lá no meu pai e vou embora. Eu falei: não demora, com autoridade. Aí, ele: mãe, te amo. E foi uma coisa que ficou muito marcada”, relembrou Luzia.
Luciene e Luzia, que perderam seus filhos naquela noite e compartilham da mesma dor, concordam que o tempo não ajudou a aliviar a indignação e a melancolia da perda. Mas cada uma conta que viveu o luto durante esses dez anos de forma diferente.
Luzia diz que a vida dela parou naquela noite.
“Eles já me tiraram a metade da minha vida. A metade foi. Minha vida acabou. Eu estou vivendo por viver, entendeu?”, disse a mãe de Sandro
Luciene virou militante contra a violência, dá palestras e hoje faz faculdade de serviço social.
“Eu prometi ao meu filho no túmulo, quando enterrei ele. Uma promessa minha, pessoal, que eu nunca deixaria as pessoas esquecerem o que tinha acontecido aqui no dia 31 de março” disse a mãe de Raphael.
Raphael e Sandro não se conheciam. Morreram em um intervalo de poucos minutos perto da Rua Gama, onde nove pessoas foram assassinadas em um bar. Depois da chacina, foi erguido no local um muro de concreto, uma espécie de memorial, onde parentes e amigos passaram esses anos deixando mensagens.
As mães continuam morando na Baixada Fluminense e, para elas, apesar da prisão dos assassinos, pouca coisa mudou nesses dez anos.
O sentimento delas é comprovado pelos números: em 2005, ano da chacina foram registrados 2005 homicídios na Baixada. Em 2014, foram 1.968 casos. Uma diminuição de apenas 1,8%. Enquanto isso, no mesmo período, o número de homicídios na capital caiu 48,5%.
“Nós vamos investigar e vamos dar a resposta. Eu garanto que daqui a seis meses nós vamos efetivamente ter números melhores. Nós vamos capacitar os nossos policiais na área onde tem o maior número de homicídios”, garantiu o delegado Rivaldo Barbosa, coordenador da Divisão de Homicídios.
Entre os seis PMs que tiveram a denúnca aceita, Gilmar da Silva Simão foi executado com 15 tiros, minutos após prestar depoimento.Quatro assassinos seguem presos
O Ministério Público denunciou 11 policiais militares pelos assassinatos. Cinco deles foram liberados pela Justiça por falta de provas.
O assassinato aconteceu em uma movimentada esquina de Vila Valqueire, na Zona Oeste do Rio. Ele tentava o benefício da delação premiada, colaborando com as investigações para tentar uma redução de pena.
Os outros cinco foram condenados e presos. Fabiano Gonçalves Lopes, de 42 anos, foi condenado por formação de quadrilha e cumpriu pena de sete anos. Atualmente está livre.
José Augusto Moreira Felipe, de 40 anos, sofreu duas condenações por homicídio qualificado, com uma pena total de 554 anos e seis meses. Porém, como ele só pode cumprir 30 anos em regime fechado, o término da pena está previsto para 2035. Atualmente trabalha na zeladoria da Penitenciária Lemos Brito, em Bangu, na Zona Oeste do Rio, o que pode o ajudar a diminuir a pena por trabalho.
Carlos Jorge Carvalho, de 40 anos, tem três condenações, uma por recepção e duas por homicídio qualificado, totalizando 559 anos de prisão. Ele também cumpre pena na Penitenciária Lemos Brito.
Júlio César Amaral de Paula, de 40 anos, também tem três condenações. Uma por extorsão mediante sequestro, uma por receptação e por homicídio qualificado consumado e tentado, somando uma pena de 556 anos e dez meses de cadeia. O fim da pena de Júlio também está previsto para 2035. Ele segue preso na penitenciária Lemos Brito. Como trabalhou como auxiliar de cozinha na unidade prisional da PM, isso pode ajudá-lo a reduzir a pena.
Marcos Siqueira Costa, de 42 anos, foi condenado pelos assassinatos da chacina da Baixada, que faz com que sua pena seja de 480 anos e seis meses. Ele atualmente cumpre pena na Penitenciária Bandeira Stampa, também em Bangu. Trabalha como auxiliar de serviços gerais na unidade para tentar reduzir sua pena.
De acordo com o promotor Marcelo Muniz, todos os policiais denunciados tinham algum grau de participação na tragédia.
“Os 11 denunciados originalmente foram mencionados nos inquéritos e Disque-denúncia. Mas desde o início existiam graus de participação. Carlos Jorge Carvalho, José Augusto Moreira Felipe, Júlio César Amaral de Paula e Marcos Siqueira Costa eram apontados como executores. Fabiano Gonçalves Lopes e Gilmar da Silva Simão compunham a quadrilha. Os demais, em menor escala, poderiam ter auxiliado, mas não eram apontados como executores”, explicou.
Um chinelo deixado por uma das vítimas dos assassinatos. (Foto: Reprodução/TV Globo)
Caminhada
Uma caminhada que será realizada na tarde desta terça (31), na Via Dutra, pedirá mais atenção para a população da Baixada Fluminense e homenageará os 29 mortos no ataque de dez anos atrás. Adriano Dias, um dos responsáveis pela organização ComCausa, afirma que a região e a tragédia não podem ser esquecidas pela sociedade.
“Fizemos amizade com os familiares, percebemos como essas pessoas não eram auxiliadas depois, e sempre que temos a oportunidade, homenageamos as vítimas da Chacina da Baixada da maneira que for possível”, disse.
Lucilene afirma que não faltará e que a luta pela memória de seu filho a alimenta.
“Mesmo que seja só eu indo para protestar na Dutra, eu vou. É uma promessa que eu fiz para o meu filho e eu vou cumprir, vou lutar por ele. A militância é o meu antidepressivo.”
AUTOR: G1/RJ
Caminhada
Uma caminhada que será realizada na tarde desta terça (31), na Via Dutra, pedirá mais atenção para a população da Baixada Fluminense e homenageará os 29 mortos no ataque de dez anos atrás. Adriano Dias, um dos responsáveis pela organização ComCausa, afirma que a região e a tragédia não podem ser esquecidas pela sociedade.
“Fizemos amizade com os familiares, percebemos como essas pessoas não eram auxiliadas depois, e sempre que temos a oportunidade, homenageamos as vítimas da Chacina da Baixada da maneira que for possível”, disse.
Lucilene afirma que não faltará e que a luta pela memória de seu filho a alimenta.
“Mesmo que seja só eu indo para protestar na Dutra, eu vou. É uma promessa que eu fiz para o meu filho e eu vou cumprir, vou lutar por ele. A militância é o meu antidepressivo.”
AUTOR: G1/RJ
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