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sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

NO CEARÁ, UM ANO MARCADO PELO MEDO DA VIOLÊNCIA, E CONQUISTAS

O Ceará viu neste ano a transformação do que antes era uma já violenta disputa por controle do tráfico de drogas em um sanguinário conflito entre facções criminosas. O fim da trégua desses grupos (ainda no ano passado) fez de 2017 o ano da segurança pública — ou da falta dela — no Ceará. Recordes de homicídios foram quebrados após dois anos de queda. Os últimos dados, até novembro, já apontavam 4.681 Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLIs). Os primeiros dias de 2018 devem oficializar que a barreira dos 5 mil assassinatos no ano foi rompida pela primeira vez. Triste recorde. Jovens pretos e de periferia seguem como principais vítimas desse processo, que tirou, em média, 14 vidas por dia.

Os muros das unidades penitenciárias se tornaram porosos diante da guerra entre facções. As decisões tomadas por criminosos atrás das grades reverberaram do lado de fora, nas ruas. E vice-versa. A crise fez com que o Estado separasse as organizações por unidades prisionais, na tentativa de manter o pouco controle que tinha da situação. Crimes bárbaros em praça pública se tornaram rotina, com partes de corpos espalhadas na periferia da Capital. Eles foram o reflexo do aumento dessa guerra urbana, que passa a ser tratada como epidemia pelo poder público municipal.

As mortes antes da hora também ocorreram por outra epidemia. A chikungunya e suas dolorosas consequências dominaram as notícias e as rodas de bate-papo, sobretudo no primeiro semestre. Quase 100 mil pessoas (98.626, mais precisamente) tiveram a doença. O número equivale a cerca de 1% da população do Estado se queixando de febre, dores nas articulações, manchas na pele e muitos outros incômodos — isso um ano depois do boom de outra doença transmitida pelo Aedes aegypti: a zika, que até deu uma arrefecida neste ano.

Se as mortes em decorrência da violência e da chikungunya dominaram negativamente a agenda estadual, a questão ambiental teve um avanço em 2017 que serviu pelo menos de alento. Após quatro décadas de tentativas, o Parque do Cocó foi, enfim, regularizado. A poligonal de 1.571 hectares que vai do Quarto Anel Viário até a foz do rio, no Caça Pesca, está protegida de agressões, invasões e da especulação imobiliária.

Os primeiros efeitos do que vai ser o Parque do Cocó poderão ser vistos em 2018, quando devem ser postas em prática as iniciativas da proposta vencedora do Concurso Nacional de Ideias. O projeto prevê a divisão do parque em quatro núcleos temáticos: esportivo, memória, laboratório da natureza e beira-mar. Estações de tratamento de esgoto, trilhas elevadas, vias para bicicletas, calçadão, pavilhão esportivo, rotas de passeio de barco, estações de reflorestamento, desassoreamento do rio, píers e mirantes são algumas das propostas.

SECA

Após cinco anos seguidos de seca intensa castigando o Ceará, 2017 serviu como um refresco. Embora as chuvas tenham ficado por volta de 12% abaixo da média histórica, o volume pode ser considerado minimamente satisfatório em comparação ao déficit médio de 35% entre 2012 e 2016. Enquanto existe a incerteza de chuvas para o próximo ano, persiste também a preocupação com o nível dos reservatórios, que operam com 7,3% da capacidade total. Um cenário mais possível de prever é a continuação da necessidade de economia de água. Principal abastecedor da Região Metropolitana, o Castanhão chegou a estar em volume morto em 2017 e encerra o ano com 2,7% da capacidade.

JOSÉ AVELINO

A feira da rua José Avelino, com histórico de tentativas de repressão pelo poder público, sofreu nova investida para término em 2017. Para obras de requalificação na via e na avenida Alberto Nepomuceno, próximo à Catedral, uma retirada dos vendedores foi projetada. A ação não foi pacífica. Para as intervenções começarem, em maio, feirantes protestaram contra o fim do comércio informal no local, com batalha de liminares e confronto com a Guarda Municipal. Neste fim de ano, o comércio popular resiste e ocupa a região — inclusive as calçadas e pistas. As obras de requalificação foram concluídas em outubro.

DIREITO.

CASO LARA

Lara é uma menina de 12 anos que, em 2017, precisou lidar com a luta pelo direito de ser. A menina que descobriu a transexualidade e a identificação como mulher teve a matrícula recusada em outubro pela Escola Educar Sesc, no Montese. Antes, já tivera o nome social negado nas chamadas e boletins, assim como não lhe fora permitida a entrada no banheiro feminino da escola. Após relatos da mãe no Facebook, o caso ganhou repercussão nacional. A luta contra a transfobia deu resultado e a escola voltou atrás, garantindo direitos e a matrícula da jovem.
REGULAMENTAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS

2017 foi o ano em que o povo Tapeba, em Caucaia, passou a ter direito às terras que já lhes eram próprias de fato. Após três décadas de lutas, ameaças e conflitos, os indígenas receberam, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, a posse permanente da terra que leva o nome deles. A área de 5.294 hectares foi conquistada após vários entraves jurídicos que se sucederam por anos de concessões dessas terras a pessoas de fora da comunidade.

JULGAMENTOS HISTÓRICOS

Processos penais que ganharam grande repercussão e há anos tramitavam na Justiça tiveram desfecho em 2017. O assassinato do cineasta Eusélio Oliveira, em 1991, era o caso de homicídio há mais tempo na Justiça. O processo chegou ao fim em setembro após o STF retirá-lo da pauta porque o réu, o 2º sargento da Reserva da Marinha Luiz Rufino, morrera em 2016. Outro caso julgado foi o da morte do menino Lewdo. A educadora física Cristiane Renata Coelho foi condenada a 32 anos em regime fechado por ter matado envenenado o filho de 9 anos e ter tentado fazer o mesmo com o ex-marido, o subtenente do Exército Francileudo Bezerra.

OPERAÇÕES

Duas operações atingiram em cheio a cúpula de importantes órgãos do Estado. Em novembro, uma operação do Ministério Público resultou no afastamento de José Ricardo Araújo Lima, superintendente da Semace, e de outros cinco servidores — quatro deles presos. As acusações são de participação em esquema de emissão de pareceres omitindo propositadamente informações relevantes. Outra operação, esta da Polícia Federal, aponta para a participação de três delegados da Divisão de Combate ao Tráfico de Drogas em um esquema de extorsão a traficantes. Ao todo 25 suspeitos foram conduzidos coercitivamente. Dois inspetores foram presos em dezembro e os delegados foram afastados ou remanejados.

AUTOR: O POVO

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