Gravações de conversas do traficante Régis Eduardo Batista, o RG, acusado de envolvimento na morte de 20 policiais, revelam a crueldade do bando que dominava o Alemão
Aos 37 anos, o inspetor Alexandre Marchon participava da primeira operação policial de sua carreira. Saiu de casa ainda de madrugada, deixou esposa e dois filhos pequenos dormindo e chegou cedo à Delegacia de Combate às Drogas (Dcod), onde tinha uma rotina dominada por serviços burocráticos. Mas, em 17 de setembro de 2008, o trabalho seria diferente. Marchon integrava uma equipe de policiais com experiência operacional para subir o Complexo do Alemão, uma área então dominada por traficantes e onde policiais, sabidamente, não eram bem-vindos.
Como de costume, a entrada dos policiais se deu sob tiros dos traficantes. E logo nos primeiros momentos do confronto uma bala de fuzil atravessou a cabeça do agente. A cena foi flagrada pelo cinegrafista da equipe do produtor inglês Jon Blair, e rodou o mundo com o documentário Dancing With the Devil (Dançando com o Diabo). Marchon, descobriu-se depois, foi alvo da face mais cruel de um criminoso tido como sanguinário, bem diferente do jovem que, na noite da última quarta-feira, entregou-se à polícia temendo ser morto. Régis Eduardo Batista, o RG, de 24 anos, passou os últimos cinco anos dedicados a caçar policiais nas ruas da zona norte do Rio de Janeiro. Durante aquele intenso tiroteio, enquanto agentes tentavam socorrer o colega, Régis tripudiava, e, com frieza, conversava com uma de suas namoradas. “Tá tudo sob controle. Já tem um ‘polícia quase morto’ (sic) lá no Getúlio (Vargas, o hospital). Estão tentando costurar o cérebro dele que pulou pra fora”.
O diálogo faz parte de uma série de gravações telefônicas obtidas por VEJA, realizadas com autorização judicial ao longo de várias investigações da Polícia Civil fluminense para tentar capturar RG.
Criado no Morro da Fé, uma das favelas que integram o Complexo da Penha – no maciço onde se avista o santuário de Nossa Senhora da Penha -, Régis ganhou fama no mundo do crime matando policiais. Saía às 4h da madrugada com três ou quatro comparsas, todos de fuzil, vestindo roupas pretas e coletes à prova de bala. Fuzilavam viaturas paradas apenas para matar e roubar as armas dos policiais. No caminho, assaltavam motoristas.
Numa outra ligação, interceptada às 23h02 do dia 4 de setembro de 2008, Régis conversa com um bandido identificado apenas como Dudu. Os dois brincam e trocam acusações sobre as mortes de dois agentes especificamente. Uma delas, ocorrida em maio de 2007, quando o policial militar Wilson Santana, do Batalhão de Operações Especiais (Bope), foi morto na Vila Cruzeiro. “Tu é sinistro. Matou o Santana do Bope, vários outros PMs”, ironiza Régis. Na resposta, Dudu fala sobre um assalto na Vila da Penha, em outubro de 2007, em que Régis executou com 15 tiros o inspetor Wagner Castelo Branco, da Delegacia de Repressão a Armas e Explosivos (Drae), na frente da esposa. “Você matou aquele Waguinho. Isso você não quer falar, pô...” Régis ironiza: “Pô, Eduardo, na moral, eu sou inocente (gargalhadas). Eu sou inocente (mais gargalhadas)”.
Dudu mostra-se preocupado com a possibilidade de a conversa estar sendo monitorada pela polícia. “Você fica falando um montão de ‘bagulho’ aí, quero ver se estiver sendo gravado”. Régis faz graça novamente: “Tá gravando? Tá gravando? Vavavavavaaaaaiiiii”...
O traficante que se apresentou à polícia parecia um jovem acanhado. Mas em seus 24 anos Régis acumulou uma ficha criminal com 27 mandados de prisão expedidos pela Justiça. Entre os crimes a ele atribuídos, estão assassinatos, tráfico de drogas, formação de quadrilha e assaltos. As investigações apontam, por enquanto, envolvimento em mais de 20 mortes de policiais.
O mais recente é o da soldado Fabiana Aparecida de Souza, na última segunda-feira, quando a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Nova Brasília, no Complexo do Alemão, foi atacada a tiros. VEJA apurou com três equipes diferentes da Polícia Civil que Régis, desta vez, não teria participado do crime. No dia do ataque, ele já negociava sua rendição através de um advogado e de um pastor evangélico. A divulgação de seu nome e de sua fotografia entre os quatro principais suspeitos de matar Fabiana, no entanto, aceleraram o processo. Régis temia ser morto, assim como seus principais comparsas, Pedrinho e Jean, que tentaram enfrentar o Bope no Morro do Chapadão, em maio passado. Na ocasião, Régis foi baleado, mas sobreviveu. Agora, preferiu enfrentar a cadeia, o banco dos réus e a possibilidade de passar a maior parte do resto de sua vida atrás das grades.
Conheça detalhes dos telefonemas do traficante Régis:
RÉGIS E DUDU FALAM SOBRE AS MORTES DE POLICIAIS (04/09/2008 - 23h02m)
RÉGIS: Ah, sabe que tu é o guru mané, tu é o cara, tu já matou vários canas (...) Santana do Bope (agente do Bope), vários outros PMs, aquele outro, pô, tu é sinistro mesmo.
DUDU: Você matou aquele Waguinho (Inspetor da Drae) lá na vila da Penha. Seu nome saiu até no jornal, tá ligado? Isso daí você não quer falar pô, não é não Régis?
RÉGIS: Pô, Eduardo (risos), na moral, eu sou inocente (gargalhadas), eu sou inocente (gargalhadas).
DUDU: Deixa eu falar com a Marcele aí, manda ela parar de rir cara, você fica nessa falando um montão de bagulho, quero ver se estiver sendo gravado.
RG: Tá gravando? Tá gravando? Vavavavavai.
RÉGIS E RATO FALAM SOBRE O CONFRONTO COM POLICIAIS NO COMPLEXO DO ALEMÃO (08/09/2008 - 16h40m)
RÉGIS: Qual é Rato?!
RATO: Qual é?! Tô aqui em cima do lajão.
RÉGIS: Tá vendo eles?
RATO: Eles estão lá na favelinha, tá ligado?! Tô de frente pra lá, se eles brotarem ali eu vou ver.
RÉGIS: Tem que aguardar eles colocarem a cara, quando eles aparecer (sic) nós arrebenta cara.
RÉGIS COMENTA COM UMA DAS NAMORADAS SOBRE A MORTE DE UM POLICIAL CIVIL DA DCOD NO ALEMÃO (17/09/2008 - 12h25m)
MULHER: Fala morto vivo.
RÉGIS: Agora não tá dando pra falar não. Tem um Bope já morto, outro baleado.
MULHER: Aonde?
RÉGIS: Estão tentando costurar o cérebro dele lá no Getulio (Vargas) lá. Tão tentando costurar o cérebro dele que pulou pra fora.
MULHER: Tá maluco, você.
FONTE: VEJA
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