A TRAGÉDIA repercute no mundo todo. O Unicef foi uma das instituições a lamentar o massacre (Foto: NELSON ALMEIDA/AFP)
"Isso foi tiro?", perguntou o namorado da estudante I.C, de 17 anos, do outro lado da linha. Ela confirmou que sim, desligou a ligação e correu em pânico. A aluna do 3º ano da Escola Estadual Raul Brasil estava ao telefone, no pátio em frente à entrada do colégio, quando o ataque que deixou 10 mortos começou no intervalo entre a segunda e terceira aula do dia.
A sobrevivente conta que disparou pelo corredor que dava para o curso de línguas, nos fundos da escola. Para o terror da menina, os atiradores em seu encalço. Encurralada, ela conta que se escondeu pelo meio dos outros colegas, protegendo o corpo e tirando-o da vista do atirador. I.C. ouviu tiros, mas manteve os olhos fixos ao chão. Não saberia identificar nenhum dos atiradores, admite.
"Fiquei com vontade de olhar, mas achei melhor ficar com a cabeça abaixada. Coloquei o braço por cima, porque se o tiro pegasse não seria na cabeça, seria em outra parte do corpo que pudesse consertar", narra. Uma colega sangrava a poucos metros, baleada. Outro estava no chão, morto.
"Eles disseram alguma coisa sobre bomba. E mandaram a gente ficar lá. Falaram alguma coisa como: 'Não sai daí, a gente já volta. Se vocês saírem a gente vai matar todo mundo'. E saíram. O pessoal começou a pular o muro, que é um pouco alto. Mas eu corri porque a professora abriu a porta e disse para manter a calma", completa.
"Quando os outros começaram a correr, eu fiquei exposta. Não tinha onde me esconder. Tive medo de eu correr e ele atirar pelas costas, mas achei melhor arriscar", relata. A estudante foi pisoteada, teve pequeno ferimento na cabeça e edemas nos braços.
Ela se escondeu dentro de uma sala de aula, por trás de barricada de mesas e cadeiras. O namorado, com quem falava minutos antes, já havia chamado a polícia. Estavam a caminho, segundo o rapaz a informou. "Quando a polícia chegou, a gente pediu pra professora não abrir a porta. A gente não sabia se era polícia mesmo ou eles".
Em outra parte da escola, Caio P.C, também de 17 anos, disse que demorou a entender o que estava acontecendo. Sequer tentou fugir no primeiro momento. Ficou parado e assistiu, inadvertidamente, ao assassinato da inspetora Eliana Regina de Oliveira Xavier, carinhosamente apelidada de Tia.
"Ele estava atirando para o chão. Pensei que ele só queria assustar (as pessoas). Depois que eu vi que era na Tia que ele estava atirando. Não quero voltar lá. Vários colegas estão falando a mesma coisa. E se acontecer de novo? Eu gostava da escola. Temos ótimos professores, não queria perdê-los, mas não sei como vai ser", disse.
Aluna do 2º ano, J.P. perdeu dois amigos próximos no massacre. "Eu vi os corpos. Como vou tirar isso da cabeça? Aquele sangue", declarou, emocionada. A adolescente mora na rua próxima às casas dos atiradores. Durante a apuração do O POVO, nenhum dos adolescentes quis se identificar. Todos se disseram com medo de novas ações ou vingança.
A aposentada Sergina Pereira Mesquita, de 76 anos, relata o horror quando ouviu os gritos dos estudantes em fuga da escola. Ela mora na rua perpendicular à entrada do colégio e tem dois netos matriculados na instituição. "O mais novo estava em casa porque estuda à tarde. Era uma gritaiada e o menino não chegava. Mas chegou. Imagino quando essas crianças tiverem de entrar de novo nessa escola. Aqui já teve assalto e coisa, mas nunca tinham matado ninguém", afirmou.
Entre as famílias, desespero e incerteza
Aos 15 anos, Samuel Melquíades se dividia entre a escola, o gosto pelo desenho e a igreja. O filho mais velho de uma família de Suzano, na Grande São Paulo, foi um dos mortos no massacre ontem. "Era ele que levava mensagem de esperança aos outros jovens", disse José Silva, tio do rapaz.
Entre as famílias das vítimas, houve desespero e também incerteza - em um dos casos, a confirmação de que o parente estava na lista de mortos só veio no fim do dia, após peregrinação por hospitais.
"Ele era um bom aluno, exemplar, um amigo muito bom", disse Quéren Mileny Cardoso, de 16 anos, amiga do estudante. Amigos da vítima foram até o centro de acolhimento às famílias para prestar apoio.
Já a família de Kaio Lucas Costa Limeira, de 15 anos, viveu horas de apreensão por causa das informações confusas na lista oficial de mortos. Na relação original, o nome dele não aparecia - nem na lista dos vivos.
Os pais, tios e primos rodaram os hospitais da região em busca do menino. "O telefone dele chama, chama, e ninguém atende. Aumenta a angústia", dizia uma parente de Limeira, por volta das 16 horas, na entrada do Instituto Médico-Legal (IML). A família chegou a reconhecer o garoto em um vídeo sobre o massacre, que circulava nas redes sociais. A confirmação só veio duas horas depois.
Houve uma troca de identidades. Constava entre os mortos Paulo Henrique Rodrigues, mas, na verdade, era Limeira. "Ele estava caído e acharam o documento de outro garoto perto dele quando fizeram o socorro. Quando saiu a primeira lista, a mãe do menino que perdeu o RG ligou no IML e avisou que seu filho estava vivo e em casa", contou o tio, Adriano Costa.
Com uma machadinha no ombro, José Victor Lemos, de 18 anos, chegou caminhando sozinho, no Hospital Santa Maria, a duas quadras da escola. Ao ouvir os disparos dentro do colégio, o jovem tentou fugir. Pulou o muro e foi pego de surpresa pelo atirador. Após cirurgia, seu quadro ontem era considerado estável.
AUTOR: ISABEL FILGUEIRAS/(Agência Estado)
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