Porto Alegre. Após 24 horas, o velório coletivo das vítimas do incêndio na boate Kiss terminou no Centro Desportivo Municipal de Santa Maria. As covas foram cavadas por cerca de 150 soldados do Exército ainda antes de o sol nascer.
Depois de uma madrugada velando os corpos das vítimas, familiares tiveram que aguardar para enterrar seus mortos. Os cemitérios organizaram enterros de 30 em 30 minutos e tiveram que escalar funcionários de férias e até voluntários para ajudar na tarefa de conseguir atender as famílias. Até o meio da tarde de ontem, 95 pessoas já haviam sido enterradas. Outras vítimas foram veladas e enterradas em outras cidades gaúchas e em outros Estados.
Já passavam das 15 horas quando a família das irmãs Patrícia e Greici Bairro, de 30 e 18 anos, mortas no incêndio, conseguiu realizar o enterro no Cemitério Nova Santa Rita. As duas estavam na boate acompanhadas de Vancercok Marques Lara Júnior, marido de Patrícia, e de Hélio Trentin Júnior, namorado de Greici. Os quatro morreram na tragédia.
Os pais das jovens, que moram na cidade de Manoel Viana, a cerca de 200 quilômetros de Santa Maria, chegaram na tarde de domingo na esperança de encontrarem as filhas com vida.
"Ele (pai) encontrou o corpo de Patrícia e do Júnior juntos, a Greici estava um pouco mais longe. Não sei como ele aguentou", disse o primo das vítimas Norberto Tatsch Bairro, que chegou na manhã de ontem em Santa Maria, depois de passar a noite no velório de outras vítimas da tragédia em Manoel Viana.
Greici havia passado no vestibular para o curso de Engenharia Ambiental de uma universidade local e começaria as aulas no próximo mês. Ela decidiu morar em Santa Maria por causa da irmã, que trabalhava como secretária na Universidade Federal de Santa Maria e estava casada havia 10 anos com Vandercok, vigilante na mesma universidade. Eles deixam um filho de seis anos, que não chegou a ser levado ao enterro.
"Sabe como é tragédia, começa com boatos...Ouvimos que elas estavam em um hospital, bem queimadas. Ficamos cheios de esperança", relatou o primo das jovens.
O pai das vítimas, Homero, estava desolado durante o enterro e chegou a ser contido para não se jogar sobre os caixões, enterrados lado a lado. Distante menos de dois metros, era enterrado Vandercok. Ao final da cerimônia, as duas famílias se abraçaram e choraram.
Noite em claro
A madrugada foi de muita tristeza no Centro Desportivo Municipal de Santa Maria, onde pelo menos 20 dos mortos foram velados desde o início da noite de domingo. Os últimos corpos deixaram o local no fim da tarde de ontem. Por volta das 15h, chegaram ao local os familiares da última vítima a ser identificada, uma jovem do Mato Grosso.
O velório coletivo começou pouco antes das 19h de domingo, quando foram liberados os últimos corpos, reunidos para identificação no centro desportivo. Muitas vítimas foram veladas em outras capelas em Santa Maria, cidade de cerca de 260 mil habitantes a 300 quilômetros da capital Porto Alegre, e em cidades vizinhas. Outros foram levados para diferentes partes do Rio Grande do Sul e até outros Estados.
Mais de 100 voluntários passaram a madrugada no local, auxiliando as famílias com apoio psicológico, distribuindo água e alimentos. Com o fim do velório coletivo, a estrutura montada no centro desportivo começa a ser desmontada pela prefeitura e pela Defesa Civil. As sobras de doações de alimentos e água destinadas às famílias que ficaram reunidas no ginásio serão enviadas a instituições de caridade atendidas pela prefeitura.
Caminhada
Uma caminhada para homenagear as 231 vítimas do incêndio reuniu milhares de pessoas na noite de ontem na cidade gaúcha. Divulgado por redes sociais, o ato simbólico reuniu familiares e amigos das vítimas, além de moradores da cidade. Muitos vestiam branco e carregavam flores e balões da mesma cor - nas convocações para o ato, foi pedido que os participantes não levassem velas.
Padilha: 75 pessoas estão em perigo
Porto Alegre. O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, afirmou na tarde de ontem que 75 pacientes que se feriram no incêndio na boate Kiss, de Santa Maria, correm risco de morte.
Os pacientes, segundo o ministro, estão internados em Santa Maria e em Porto Alegre. "Ao todo, temos 75 pacientes em
UTI, aqui (em Santa Maria) e em Porto Alegre que estão em estado critico, estão na UTI, e correm risco de morte", disse o ministro.
Padilha esteve em Porto Alegre ontem, conferindo pessoalmente o estado de saúde dos feridos na tragédia - 39 estão na capital gaúcha e na Região Metropolitana. Por determinação da presidente da República, Dilma Rousseff, o ministro retornou a Santa Maria, onde deve permanecer nos próximos dias coordenando os trabalhos.
Ainda de acordo com o ministro, 83 pacientes estão internados em Santa Maria. Destes, 33 estão em estado grave na UTI. O ministro afirmou ainda que os hospitais de Santa Maria estão com 30 unidades de terapia intensiva livres para receber possíveis pacientes.
Padilha disse que 20% dos feridos tiveram queimaduras consideradas graves, que correspondem a mais de 30% do corpo. A maioria sofreu intoxicação respiratória. Para auxiliar o socorro, o ministro apontou ainda que cinco médicos do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, vão para ser encaminhados para o local.
A maior preocupação do ministro é em relação às pessoas que estavam na boate e que possam apresentar sintomas como tosse e falta de ar, a chamada pneumonite química.
Ontem, ele confirmou o primeiro caso de pneumonia química entre os sobreviventes da tragédia. Padilha foi informado do caso pela mãe da vítima, a jovem Ingrid Preigschadt Goldani. A estudante de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFMS) estava na boate Kiss durante o incêndio, mas conseguiu chegar ao lado de fora logo que o fogo começou.
Durante o domingo, ela chegou a dar entrevistas e postar em redes sociais mensagens lamentando a morte de amigos e convocando para uma caminhada em memória das vítimas. No fim da noite, a jovem começou a mostrar os primeiros sintomas de intoxicação. Transportada às pressas para Porto Alegre, duas horas depois dava entrada no hospital em estado grave.
O ministro pediu a outros jovens que estavam na boate que procurem ajuda médica em caso de qualquer sintoma de pneumonia química, como tosse e falta de ar, que podem se manifestar em até 72 horas. "São jovens sem histórico de outras doenças, e isso nos dá muita esperança", disse Padilha.
Internados
39 é o total de feridos que estão em Porto e Região Metropolitana. O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, esteve na capital gaúcha na manhã de ontem
Cruz-vermelha cria força-tarefa
Porto Alegre. Por iniciativa da Cruz Vermelha no Rio Grande do Sul, representantes de várias entidades de psicologia e psiquiatria, universidades e outros órgãos de assistência psicossocial se reuniram ontem, em Porto Alegre (RS).
O objetivo foi definir uma estratégia de atendimento gratuito às famílias das vítimas e aos sobreviventes do incêndio na Boate Kiss.
"A situação é muito traumática e sabemos que, após alguns dias, vai começar a segunda onda de choque, quando há o risco de os parentes e até mesmo de os sobreviventes adoecerem. Por isso, estamos criando uma estratégia para atuar preventivamente, ajudando os governos estadual e municipal a dar apoio não apenas às famílias de Santa Maria", disse o presidente da filial da entidade em Santa Maria, o psiquiatra Manoel Garcia Júnior.
O psiquiatra lembra que muitas das pessoas mortas e dos sobreviventes se mudaram sozinhos para a cidade a fim de estudar em uma das muitas universidades da região.
Além de a filial estadual mobilizar as associações de classe e universidades, a Cruz Vermelha Brasileira pediu à federação internacional da entidade que disponibilize profissionais de outros países especializados em estresse pós-traumático.
A finalidade é que eles repassem aos voluntários em Santa Maria as experiências no tratamento de sobreviventes e parentes de vítimas de catástrofes.
Indenizações podem demorar décadas
Brasília. Os parentes dos mortos e dos feridos no incêndio da Boate Kiss, que deixou pelo menos 231 mortos em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, podem esperar mais de dez anos para receber indenização dos responsáveis pela tragédia.
Segundo o professor de direito civil da Universidade de Brasília, Frederico Viegas, este tipo de processo é complexo e só deve ser concluído quando chegar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), última instância a qual os envolvidos podem recorrer.
"Fatalmente vai terminar no STJ porque as pessoas vão recorrer (das decisões judiciais). É um caso extremamente complexo que envolve muitos responsáveis", explicou. O professor acredita que até a solução dos processos, os responsáveis podem tentar fazer acordos com os parentes das vítimas.
Em casos recentes no Brasil, como as grandes tragédias aéreas, as famílias ainda negociam na Justiça a responsabilidade pelas mortes, o valor e a forma de pagamento das indenizações. Para Frederico Viegas, o ideal é que os parentes das vítimas da Boate Kiss se unam em associações como as que foram formadas no caso dos acidentes envolvendo as empresas TAM e Gol.
"Buscar uma ação conjunta é mais efetivo nestes casos. Além disto, os custos são menores, compartilhados, e basicamente é o mesmo perfil, o de perda de vidas de estudantes", explicou.
O advogado acredita que a responsabilidade sobre o incêndio será atribuída a todos os atores. A Justiça vai definir como cada um responderá pelas perdas provocadas pelo fogo. "Todos terão uma parcela de responsabilização, mas os proprietários da boate e a banda serão os principais", avaliou. Um dos integrantes da banda teria disparado o efeito pirotécnico que provocou o incêndio.
Além do uso do sinalizador pela banda, o professor destacou a falta de saídas de incêndio no local e a única porta de acesso da boate. Acrescentou que a prefeitura deve responder pela negligência na fiscalização destas casas, já que a boate funcionava com alvará vencido.
Segundo ele, há poucas chances de os proprietários da Kiss terem seguro da boate. "Estes seguros são caros e o empresário não paga por estes seguros. Vou me espantar se tiverem", disse. Viegas explicou que as indenizações às famílias podem chegar a valores como sete salários mínimos por vítima.
AUTOR: DN
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