Betânia do Piauí, no semiárido, é um dos 210 municípios piauienses castigados pela pior seca em mais de 40 anos no estado. De acordo com a Secretaria Estadual de Defesa Civil, não chove há dois anos na região. Sem água encanada, a localidade de pouco mais de 6 mil habitantes não conta também com o único reservatório da cidade, que secou a ponto de tornar a água imprópria para consumo. O abastecimento é feito por caminhões-pipa, que uma vez por mês trazem água da cidade de Patos, distante 110 km, para os moradores da cidade. Na zona rural, o abastecimento das cisternas pode demorar dois meses.
O fornecimento é garantido por meio de contratos com o Exército Brasileiro e a Defesa Civil, mas as famílias da zona urbana recebem 400 litros de água por dia, média de 100 litros por pessoa, quantidade insuficiente segundo recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) – de acordo com o órgão, são necessários ao menos 200 litros por dia para suprir as necessidades de uma pessoa, o dobro do entregue.
A água da barragem Juazeiro Grande, único reservatório da cidade, não pode ser consumida desde que o nível da represa baixou muito. Exames de laboratório solicitados pela prefeitura mostraram que ela é imprópria para o consumo.
A obra de instalação da Estação de Tratamento de Água (ETA), iniciada em 2006, nunca foi concluída. A implantação da rede de distribuição de água tampouco. De responsabilidade da Águas e Esgotos do Piauí S/A (Agespisa), o prédio foi erguido em local sem energia elétrica ao custo de R$ 47.146,26, em recursos próprios da Agespisa.
Ao G1, a empresa informou que a obra foi concluída há cinco anos, mas que o sistema de abastecimento de água não entrou em funcionamento porque não havia onde pegar água. A Agespisa disse ainda que está realizando estudos de viabilidade técnica para verificar a possibilidade de fazer a captação no açude da Barragem Poço Marruá, na cidade de Patos, a mais próxima de Betânia do Piauí.
O atual prefeito de Betânia, José Evangelista da Rocha, disse que a prefeitura tem buscado informações sobre a obra e também sobre a concessão da Agespisa para o fornecimento de água na cidade, mas que nunca obteve uma resposta satisfatória.
Segundo José Evangelista, a prefeitura mantém contrato com dois carros-pipa que abastecem escolas, postos de saúde e órgãos da administração municipal na zona urbana e rural. O custo mensal com os carros é de R$ 13 mil, mas, de acordo com o prefeito, o pagamento está atrasado porque não há recursos suficientes.
"Não temos arrecadação e contamos apenas com o repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Temos administrado esses problemas com bastante dificuldade. Para amenizar os efeitos da seca estamos viabilizando a perfuração de alguns poços em parceria com o governo federal", disse.
'Nunca tinha visto uma seca tão braba'
O G1 acompanhou no dia 4 de outubro o abastecimento a uma casa na comunidade Laranjeiras, a 15 km da zona urbana de Betânia. O aposentado José Pedro Vieira da Silva, de 86 anos, ficou feliz com a chegada do carro-pipa, mas logo foi avisado que só teria água novamente em dezembro.
"Essa água que abastece a cisterna é usada para beber e fazer comida. Para outras coisas, tem que buscar no cacimbão que já está quase seco. Tem que economizar. Em tantos anos de vida nunca tinha visto uma seca tão braba como essa", disse o aposentado.
Da comunidade Laranjeiras o G1 percorreu mais alguns quilômetros em estrada carroçal até chegar ao Povoado Salgadinho. Lá, a dona de casa Maria Evanilde de Brito contou com a ajuda de um irmão que mora em São Paulo para conseguir recursos e mandar perfurar um poço em casa. Foram gastos mais de R$ 3 mil com o serviço e, para decepção da dona de casa, a água que conseguiu não tem qualidade para o consumo humano.
Por não ter energia, o processo para retirar água do poço é todo manual. Para encher só a metade do reservatório de 200 litros, Maria Evanilde leva mais de duas horas. A água só serve para dar aos animais e para alguns afazeres domésticos.
"A gente tinha esperança de ter água, mas o que é retirada do poço não dá nem pra beber. Temos que esperar pela água que é entregue pelo carro-pipa e já tem mais de um mês que ele passou", disse a dona de casa.
Mesmo recebendo a água que é distribuída de graça pelo Exército, algumas famílias ainda precisam adequar o apertado orçamento para comprar o produto que é vendido a R$ 2 (tonel com 40 litros). A viúva Josefa Maria de Jesus, de 49 anos, sobrevive com a pensão de um salário mínimo e tem que administrar os poucos recursos no sustento da casa que divide com os três filhos. Por mês, ela chega a gastar até R$ 30 na compra de água.
"É complicado porque a gente tem que comprar comida e remédio. Estamos cozinhando no fogão a lenha porque entre comprar o gás ou a água escolho a água. É uma situação difícil porque a gente vivia da agricultura e comia o que plantava, mas nunca mais plantamos nada", relatou Josefa, que integra a parcela de 70% das famílias que vive da agricultura na região.
Reflexos na agricultura e pecuária
Além da população e das plantações devastadas, os animais também sofrem os efeitos da estiagem. Apenas 30% do rebanho de gado e 50% dos ovinos sobreviveram em meio a falta de água e comida. Só 10% da produção leiteira foram mantidos, uma perda significativa para quem sobrevivia da pecuária.
"Estamos há quatro meses sem receber o milho para alimentação da criação. Com isso, os grãos que conseguimos comprar chega a um preço mais alto e não é viável para os produtores", disse o secretário municipal de agricultura, Francielson Coelho de Macêdo.
Não é difícil caminhar pelo sertão piauiense e esbarrar em carcaças de animais. São marcas deixadas pela estiagem. Nem mesmo a vegetação típica de regiões quentes tem conseguido sobreviver em meio à falta de chuva.
Na comunidade Suspiro, também zona rural de Betânia do Piauí, o G1 encontrou o aposentado Antonio José Rodrigues, 70 anos, triturando palma forrageira (vegetação típica do cerrado) para alimentar o rebanho que conseguiu manter. "Só consegui salvar 14 cabeças de gado. Vendi 20 por um preço bem baixo só pra não ver morrer mesmo. Como não tem ração a gente vai tentando alimentar com a palma", disse o aposentado.
93% dos municípios em emergência
No Piauí, mais de 1 milhão de pessoas vêm sofrendo os efeitos da estiagem há mais de dois anos. Cerca de 93% dos municípios já decretaram situação de emergência. De acordo com a Secretaria Nacional de Defesa Civil, 210 das 224 cidades do estado tiveram a solicitação de reconhecimento concedida. A estiagem é a maior desde 1970, segundo a Secretaria Estadual de Defesa Civil.
Segundo o IBGE, a população do Piauí é a terceira maior do país em migração. Os dados mostram ainda que nos últimos cinco anos, 140 mil pessoas deixaram o estado em busca de trabalho e melhores condições de vida. A seca teria sido um dos principais fatores para "expulsar" os piauienses.
O Ministério da Integração Nacional informou que o estado já recebeu R$ 35 milhões para socorro, assistência às vitimas e restabelecimento de serviços essenciais, além de R$ 4,8 milhões para recuperação de poços. A pasta também disse que repassa recursos para os estados, com o objetivo de contratarem outros carros para reforço à operação. No total, o Piauí é atendido com 748 carros, beneficiando mais de 224 mil pessoas.
Esta é a maior Operação Carro-Pipa já desenvolvida no país, coordenada pelo Ministério da Integração Nacional e com a logística executada pelo Exército Brasileiro. De janeiro de 2012 a setembro de 2013 foram investidos R$ 855 milhões na operação com a contratação de 5.659 carros-pipa, atendendo a 807 municípios atingidos pela seca.
AUTOR: G1/PI
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