Pais e mães de vítimas da chacina cobram a punição aos matadores de seus filhos. Para a mãe, o filho Patrício "fez" 17 anos mês passado/FOTOS CAMILA DE ALMEIDA
O pai se autocompara a um boxeador nocauteado, desabado como ele, quando recebeu a notícia da morte do filho de 17 anos, um dos executados na Chacina da Grande Messejana. “Nós, pais, estávamos todos procurando terra nos pés e não tinha”. O lutador, ele mesmo descreve, vai se reerguendo depois de ter se visto sem chão. Uma das mães crê na justiça de Deus, mas cobra o julgamento dos homens. “Sei que ele não vai voltar mais. Espero justiça, a de Deus em primeiro lugar. Tenho certeza que a da terra vai ter que vim”. Prefere ainda acreditar. E menciona que o filho “fez” 17 anos mês passado. O verbo atualiza, porque moravam só ela e ele.
Outro pai, que por quatro desses oito meses seguintes àquela matança havia se distanciado de toda e qualquer notícia a respeito, vai voltando a um mundo real. Não falta mais às celebrações religiosas nem passeatas. Há outra mãe que já não pensa mais em desistir de trabalhar e até enxerga “paz”, diante do que sentiu no começo dessa dor toda. A dor nunca passará, mas os pais e mães das vítimas da chacina vão se redescobrindo para buscar direitos e respeitar a memória dos filhos.
Há raiva, silêncio, saudade indizível, outras sensações ruins em 251 dias à espera de punição. Mas também aparecem neles esboços de sorriso. Há uma recuperação emocional visível. Falar do mundo que desabou na madrugada de 12/11/2015, e de tentar tocar a vida de novo, serve para todos os que têm participado das reuniões mensais na Defensoria Pública do Estado. Na mais recente, sexta-feira passada, seis parentes das dez vítimas compareceram. A pedido, seus nomes não são revelados.
Os encontros ocorrem desde março. Juntam-se familiares, defensores públicos, psicóloga e assistente social. “Não queremos trazer apenas soluções jurídicas, mas também um apoio humano para vocês”, diz o defensor Delano Benevides. “Já percebemos sorriso no rosto de vocês, depois de um primeiro momento tão sofrido”, reforçou Natalie Massilon, outra defensora participante.
Refazendo
Foi apenas na reunião anterior, em junho, que pais e mães tiveram acesso aos laudos cadavéricos de seus filhos. A Defensoria não sabia que os parentes ainda não haviam visto os documentos. Buscaram o detalhamento de cada morte para entender mais a tragédia, mesmo com o sofrimento aflorando outra vez. O que cobram, principalmente, é a punição dos culpados. Distinguem do que seja vingança.
Na última reunião, além de falar, escreveram e desenharam sobre a tristeza de antes, o amparo e a confiança de hoje, do que sentem desde que perderam os filhos e passaram a se encontrar. “É um resgate de tudo, para que se fortaleçam e busquem seus direitos”, explica a psicóloga Andreya Arruda.
O pai que se viu nocauteado diz ter feito amizades — “perdi meu filho, mas ganhei amigos, viramos uma família. Não queria que fosse nesse momento”. Uma das mães crê no agrupamento deles como bom para as soluções do caso, para que não vire só estatística da grande mortandade de jovens em Fortaleza(*) e deixe os culpados impunes(**). “Às vezes a gente quer se esconder da realidade, mas infelizmente não pode”. Vão se refazendo. “Busco justiça. É o que restou para meu filho”, diz outra mãe.
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SAIBA MAIS
(*) Em dados de 2015, o Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência registrou que o coeficiente da mortalidade por homicídio entre jovens (de 10 a 19 anos) chegou a 91,3 casos por 100 mil habitantes. Na população geral, era de 65 por 100 mil habitantes.
(**) A investigação sobre os responsáveis pela chacina foi concluída em abril pela Controladoria Geral de Disciplina (CGD). O Ministério Público Estadual denunciou 45 PMs. O caso está sob avaliação da 1ª Vara do Júri. Detido em fevereiro, um soldado é o único preso pelo caso.
AUTOR: O POVO
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