O Ministério da Saúde suspendeu por dois meses a distribuição no Ceará de soros antivenenos utilizados para o tratamento de mordidas de animais peçonhentos.
A entrega referente aos meses de junho e julho não será feita devido aos atrasos dos laboratórios produtores, conforme nota do órgão, recebida pela Secretaria de Saúde do Ceará (Sesa) na última segunda-feira, 13.
Segundo a Sesa, o último lote com 250 doses de antivenenos foi repassado para as cinco regionais do Ceará na semana passada. As sedes das regionais estão localizadas em Juazeiro do Norte, Quixadá, Sobral, Limoeiro do Norte e Fortaleza, onde funciona o Centro de Assistência Toxicológica (Ceatox), no Instituto Doutor José Frota (IJF).
Desde 2013, os laboratórios que produzem os antídotos estão obrigados a se adequarem às Boas Práticas de Fabricação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A medida, conforme nota técnica do Ministério, "levou à necessidade de adequações e reformas nos parques industriais em consequentemente, interrupção na produção".
De acordo com o documento, várias justificativas foram apresentadas pelos laboratórios para as constantes reprogramações dos cronogramas de entregas dos soros, tais como greve, furto de animais, problemas no abastecimento de matérias-primas e problemas na produção.
Atualmente, três crianças estão internadas no Ceatox por causa de mordidas de cobras jararaca. Uma delas foi levada ao IJF no último domingo, 19, pelo helicóptero da Coordenadoria Integrada de Operações Aéreas (Ciopaer).
O menino Pedro Lucas Ferreira, de três anos, reside em Tauá e foi picado na mão, no fim da manhã deste domingo. "Nós fomos acionados pela equipe do Corpo de Bombeiros de Tauá por volta das 12 horas. A família identificou que era uma jararaca, o que facilitou o processo de socorro", relatou o tenente-coronel Marcus Costa, relações públicas da Ciopaer.
A UTI aérea do Ciopaer levou o soro para Tauá e fez a aplicação imediata durante o resgate. "Com essa medida, ganhamos bastante tempo e melhoramos as chances da criança. O resgate por terra levaria cinco horas, mas com o transporte aéreo ele chegou ao IJF em cerca de duas horas", explica Marcus.
As jararacas são responsáveis por mais de 80% de todos os acidentes com serpentes registrados no Brasil, segundo a farmacêutica especialista em toxicologia clínica, Karla Magalhães. Em 2016, três pessoas morreram vítimas de picadas de animais peçonhentos no Ceará (uma por serpente e duas por aranhas).
A Sesa apontou, no último boletim epidemiológico, 1.634 acidentes com animais peçonhentos neste ano. Destes, 1.170 notificações foram de ataques por escorpiões, 300 por serpentes, 61 por abelhas e 47 por aranhas.
No País, há mais de 600 tipos de cobras peçonhentas, mas as com importância clínica são dos gêneros: jararaca, surucucu, coral verdadeira e cascavel. "A jararaca tem mais de 30 espécies diferentes notificadas. Elas têm hábitos noturnos e picam principalmente os membros inferiores. No caso desse menino, foi a mão porque ele foi pegar um brinquedo durante a noite", explica Karla.
As jararacas não costumam atacar, a menos que estejam sob ameaça. "No escuro, uma pessoa pisa sem querer e sofre o ataque mais rápido que um piscar de olhos. Mesmo que a cobra só encoste a presa, já injeta o veneno o destrói o local do tecido, causando necrose. Em crianças, o veneno ainda pode gerar vômitos", afirma a farmacêutica do Ceatox em Fortaleza.
Cobras dos gêneros Bothrops e Bothrocophias (jararaca, jararacuçu, urutu, cruzeira e caissaca) são responsáveis pelos acidentes chamados botrópicos, com manifestações de dor, edema e equimose na região da picada. Além disso, o veneno pode causar sangramentos na pele e na mucosa, bem como hemorragia em outras cavidades, conforme boletim epidemiológico da Sesa.
A primeira recomendação, em caso de picadas de cobras, é manter a calma a fim de evitar a circulação do veneno no corpo. "É importante que o paciente não se movimente e fique em repouse. O local da picada deve ser lavado com água e sabão. Em seguida, deve-se procurar o atendimento especializado", lista Karla.
A farmacêutica também destaca que não deve ser feita a ingestão de bebidas alcoólicas. "O certo é dar bastante água, se possível, cobrir a lesão para evitar moscas. As pessoas acabam dando cachaça e leite, o que piora o quadro do paciente. O local lesionado também não deve ser amarrado, É bom tirar anéis e relógios dos membros afetados porque eles vão inchar e, às vezes, precisa até de cirurgia para retirar os objetos", frisa Karla.
Diferente das picadas escorpiões, o soro deve ser diagnosticado em todos os acidentes envolvendo serpentes peçonhentas. "No caso das picadas de escorpião, a prescrição do soro é rara, somente quando há intoxicação sistêmica, mais comum em crianças com menos de 9 anos e idosos. Para cobras, não existe outro tratamento", afirma a farmacêutica.
Os sintomas das picadas de escorpião são dor, dormência do membro, vômitos e diarreias. "Para a picada de escorpião, você deve colocar gelo e no local e observar os sinais sistêmicos, além de manter a calma. Geralmente, os efeitos mais graves podem aparecer na primeira hora. Geralmente se a pessoa não teve vômito ou diarreia nessa primeira hora, não manifesta mais", completa Karla.
Nos últimos nove anos, 28.402 acidentes com animais peçonhentos foram registrados no Ceará, mas o balanço pode ser ainda maior devido à subnotificações. Na série histórica, foram contabilizadas 56 mortes por animais peçonhentos, 33 por picadas de serpentes, 14 por picadas de escorpião, 7 por picadas de aranha e 4 por picadas de abelhas.
Ministério
Em nota enviada ao O POVO Online, nesta segunda-feira, 20, o Ministério da Saúde disse que os laboratórios produtores dos antivenenos distribuídos no Sistema Único de Saúde (SUS) passam por readequações em suas linhas de produção. "Cabe destacar que o Ministério da Saúde acompanha os cronogramas de entregas dos soros com os fornecedores, remanejando os estoques conforme as necessidades de cada localidade", completou.
Após a publicação da matéria sobre as mortes por ataques de animais peçonhentos no Ceará, leitores do O POVO relataram casos de picadas de serpentes e escorpiões. ''No bairro Joaquim Távora aparecem muitos escorpiões! Um perigo pra crianças!", escreveu Antônio Arthur.
''Passamos por um sufoco com um amigo que foi picado por uma cobra peçonhenta. Foi uma correria, um susto muito grande, pois em toda região serrana da Ibiapaba não tinha o soro. Meu amigo só foi medicado mais de cinco horas depois do acidente por falta de medicamentos nas cidades vizinhas. Ainda passou uma semana hospitalizado pela tremenda dor causada e em observação dos sintomas e possíveis agravos. Infelizmente, serviu para saber que onde mais tem acidentes ofídicos e deveria ter o soro, não tem", relatou a leitora identificada como Neiliane Lopes.
AUTOR: O POVO
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