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quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

ESTADOS DEIXAM DE CONSTRUIR PRISÕES E DEVOLVEM R$ 187 MILHÕES À UNIÃO

Detentos do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís (MA), falaram com uma comitiva de senadores da Comissão de Direitos Humanos no dia 13 (Foto: Márcio Fernandes/Estadão Conteúdo)

Um levantamento do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), ligado ao Ministério da Justiça, aponta que nos últimos dez anos 15 estados e o Distrito Federal deixaram de usar R$ 187 milhões liberados pelo governo federal para construir e reformar presídios. Não foram adiante dezenas de projetos, incluindo estabelecimentos de saúde e educação para detentos, aprovados entre 2004 e 2013, para Alagoas, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Sergipe e Tocantins.

Entre os diversos motivos alegados, destacam-se a falta de recursos dos próprios estados para completar as obras, cancelamentos por atrasos, inadequação de projetos alterados, problemas em licitações, suspeitas de irregularidades e trocas no comando dos governos estaduais.

Também há situações de contratos cancelados por determinação do governo federal, por mudanças na política carcerária; em outros casos, segundo alguns estados, um decreto presidencial impediu o repasse de recursos para obras que ainda não haviam iniciado (veja a lista completa de obras canceladas por unidade da federação ao fim desta reportagem).

Os dados, compilados pelo Depen a pedido do G1, não contemplam o valor total que o governo repassou – apenas o que foi devolvido. O que ficou no estado para ser investido não foi informado pelo órgão. Os únicos números disponíveis referem-se a 2012 e 2013, quando o repasse de verbas da União para o sistema carcerário em todo o país totalizou R$ 1,2 bilhão.

O Maranhão, onde eclodiu a crise que levou o governo federal a elaborar um plano emergencial para conter a violência nas penintenciárias locais, foi o terceiro estado que mais devolveu recursos na última década: R$ 23,9 milhões. O governo maranhense havia assinado três contratos, em 2004 e 2011, para a construção de duas cadeias públicas e um presídio no interior. Todos os acordos foram cancelados.

Se fossem concluídas, as instalações no Maranhão somariam 681 vagas. O governo do estado informou que o cancelamento ocorreu após o Depen ter rejeitado alterações feitas nos projetos pela Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) maranhense, a pedido do próprio governo federal. Segundo o governo estadual, as duas cadeias cujos contratos foram anulados estão sendo construídas agora com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

RJ e PE lideram devoluções
O estado que mais deixou de usar os recursos federais foi Pernambuco, em um total de R$ 33,5 milhões. Em setembro de 2010, o estado assinou um contrato com o governo federal para a reforma de uma antiga fábrica na Região Metropolitana do Recife para implantar o Centro Estadual de Cidadania Padre Henrique.

Todo o dinheiro seria aplicado nesse projeto, voltado para atividades de qualificação não restritas a presos. Apesar de o dinheiro ter sido disponibilizado pelo Depen, o valor sequer chegou a ser transferido, segundo o governo estadual. Em nota, a Secretaria de Defesa Social de Pernambuco informou que o governo federal não aprovou o projeto apresentado, por não adequação "às questões ambientais, patrimônio público, impactos viários, acessibilidades e licenças diversas".

O Rio de Janeiro vem em seguida, com a segunda maior devolução de dinheiro federal. Foram canceladas dez obras para construção e reforma de presídios, que somavam R$ 26,7 milhões.

O governo estadual informou que, devido à mudança de gestão, os projetos passaram a ser coordenados por órgãos diferentes. De acordo com a Secretaria de Obras fluminense, os recursos do Depen, em parceria com a Caixa Econômica Federal, foram ampliados para a construção de duas cadeias públicas – uma feminina e uma masculina –, com investimentos de R$ 18.724.871,31 e R$ 12.057.983,83, respectivamente.

Desperdício e burocracia
O Brasil tem atualmente 563,7 mil pessoas presas e um déficit de aproximadamente 200 mil vagas no sistema carcerário, segundo levantamento feito pelo G1 nos estados. O país está entre os cinco do mundo com maior população de detentos.

Em maio de 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pediu ao Ministério Público (MP) dos estados para processar autoridades locais pelo desperdício de verba federal destinada às penitenciárias. A solicitação era baseada em um balanço parcial do Depen, que apontava um não aproveitamento de R$ 103,384 milhões desde 2011.

O CNJ ainda não recebeu retorno de todas as unidades do MP acionadas, mas em alguns estados as procuradorias informaram que não é possível responsabilizar autoridades, por não ter sido identificada má-fé, segundo a assessoria de imprensa do conselho.

Para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinicius Coêlho, a devolução de recursos destinados a presídios indica uma falta de prioridade no sistema carcerário do país.

"Seja por má-fé, negligência ou impossibilidade técnica para implementar ações, a devolução de recursos revela a falta de prioridade para o assunto pelos governadores e a ausência de coordenação para tratar do tema", disse Coêlho.

Diretora no Brasil da Human Rights Watch, uma das principais entidades de defesa dos direitos humanos no mundo, Maria Laura Canineu afirma que parte da dificuldade na utilização de recursos se deve à burocracia brasileira.

"A gente sabe que há uma burocracia que impera. Até para aplicar os recursos, muitas vezes há incapacidade técnica dos estados ou até descaso mesmo. É preciso saber se não se podem executar as obras por causa da burocracia ou se falta apenas vontade política", apontou.

Maria Laura sustenta, no entanto, que o problema carcerário do país vai além das dificuldades na aplicação de verbas. Um estudo da Human Rights Watch revela que cerca de 200 mil detentos são mantidos presos no país sem sequer terem sido julgados.

"Quase 50% dos presos estão em situação provisória. Eles ficam meses aguardando alguma movimentação da Justiça e, muitas vezes, não fazem ideia da situação deles. É preciso fazer um mutirão na Justiça, para saber situação de cada um e qual benefício se aplica a cada preso", destacou.

Veja abaixo as obras que deixaram de receber verba federal e os motivos alegados por estado:

ALAGOAS
Valor devolvido: R$ 836.911 (contratos firmados em 2008 e 2009).
Obras: Módulo de saúde no presídio Desembargador Luís de Oliveira Sousa e construção de um Centro Cultural Ecumênico na Penitenciária Feminina de Santa Luzia.
Motivo: A Superintendência Geral de Administração Penitenciária de Alagoas informou que os dois contratos foram cancelados a pedido do Depen, após o governo federal ter identificado que as obras não criariam novas vagas no sistema prisional.

CEARÁ
Valor devolvido: R$ 180 mil (contrato firmado em 2008).
Obra: Reforma do Hospital Penitenciário e Sanatório Professor Otávio Lobo.
Motivo: A Secretaria da Justiça e Cidadania do Ceará informou que o dinheiro federal foi devolvido porque o valor equivalia a cerca de 10% do R$ 1,5 milhão necessário para a obra. Segundo o Ministério da Justiça, o contrato foi desfeito após descumprimento do prazo contratual.

DISTRITO FEDERAL
Valor devolvido: R$ 1.611.929 (contrato firmado em 2008).
Obras: Reforma no Centro de Progressão Penal e substituição da cobertura do local.
Motivo: A Secretaria de Segurança Pública do DF informou que o valor da devolução divulgado pelo Ministério da Justiça não confere. De acordo com a assessoria de imprensa da secretaria, houve devolução ao governo federal de R$ 1.211.141 no fim de 2013, referente à licitação de geolocalizadores para viaturas que não foram comprados devido a "especificações inadequadas do produto".

GOIÁS
Valor devolvido: R$ 13.413.795 (contratos firmados em 2006, 2008, 2009 e 2011).
Obras: Reforma da Colônia Industrial Semiaberto; construção de um Presídio de Segurança Máxima em Aparecida de Goiânia; reforma da Cadeia Pública de Santa Helena; presídio Regional em Senador Canedo.
Motivo: A Secretaria de Administração Penitenciária e Justiça de Goiás informou que tanto a reforma na colônia industrial quanto a construção do presídio em Aparecida de Goiás foram canceladas por decisão unilateral do Depen, após mudança na política prisional do governo federal em 2011. Já a reforma da cadeia pública foi cancelada, segundo o governo do estado, devido a um decreto presidencial que anulou diversos contratos entre estados e municípios. Já o presídio da cidade de Senador Canedo teve o contrato cancelado, segundo a secretaria estadual, por descumprimento do prazo de dois anos para formalizar o convênio e elaborar os projetos de execução, além do fato de a prefeitura do município ter desistido de ceder o terreno para a obra.

MARANHÃO
Valor devolvido: R$ 23.962.399 (contratos firmados em 2005 e 2012).
Obras: Construção do presídio Regional de Pinheiros e das cadeias públicas de Pinheiros e de Santa Inês.
Motivo: O governo do Maranhão informou que o cancelamento dos contratos ocorreu após o Depen ter rejeitado alterações feitas nos projetos pela Secretaria de Administração Penitenciária do estado, a pedido do governo federal. Segundo o governo maranhense, as cadeias cujos contratos foram anulados estão sendo construídas com recurso do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

MATO GROSSO DO SUL
Valor devolvido: R$ 15.200.411 (contratos firmados em 2008, 2009, 2010 e 2013).
Obras: Ampliação de cinco cadeias públicas (Aquiduana, Campo Grande, Buriti, Naviraí, Ponta Porã e Três Lagoas) e um presídio; construção de uma penitenciária feminina em Campo Grande.
Motivo: A Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário de Mato Grosso do Sul informou que as obras não foram adiante porque a resolução que muda as normas de arquitetura das unidades prisionais aumentou a contrapartida financeira que o estado teria de fazer e inviabilizou o investimento. Segundo o governo estadual, Mato Grosso do Sul refez os projetos e substituiu as obras canceladas pelo projeto de três cadeias públicas em Campo Grande.

MINAS GERAIS
Valor devolvido: R$ 12.244.032 (contrato firmado em 2007).
Obra: Construção do presídio de Ribeirão das Neves.
Motivo: A Secretaria de Defesa Social do estado informou que o contrato foi cancelado porque o repasse dos recursos não teria sido aprovado pela Caixa Econômica Federal. Apesar de o repasse ter sido devolvido em 2012, segundo o governo mineiro, outro contrato foi assinado recentemente com o Depen com o mesmo objetivo, no valor de R$ 11 milhões.

PARÁ
Valor devolvido: R$ 882.511 (contratos firmados em 2008 e 2010).
Obra: Construção de módulo de saúde na Penitenciária de Marituba e de salas de aula para o CRA.
Motivo: A Superintendência do Sistema Penitenciário do Pará informou que o contrato do módulo de saúde foi cancelado por não haver recurso do estado para contratar técnicos e adquirir equipamentos. Em relação às salas de aula, o estado informou não ter tido recursos para garantir a quitação do valor que deveria ter sido pago pela obra.

PARAÍBA
Valor devolvido: R$ 6.292.281 (contratos firmados em 2005, 2009 e 2011).
Obras: Conclusão da Penitenciária de Cajazeiras; construção de uma Penitenciária Feminina de Segurança Máxima; ampliação da Penitenciária de João Pessoa e reforma do Presídio de Santa Rita.
Motivo: O secretário de Administração Penitenciária da Paraíba, Wallber Virgolino, afirmou ao G1que o período das devoluções se refere a outra gestão e disse não ter informações sobre o motivo de as obras não terem sido executadas. Segundo ele, o governo estadual arcou com os custos da reforma feita em 2013 no Presídio de Santa Rita e bancará também a que será feita este ano no Presídio de João Pessoa, com R$ 2 milhões já autorizados.

PERNAMBUCO
Valor devolvido: R$ 33.517.131 (contrato firmado em 2010).
Obra: Reforma da estrutura física da antiga fábrica Tacaruna para implantação do Centro Estadual de Cidadania Padre Henrique.
Motivo: O dinheiro não foi transferido, segundo a Secretaria de Defesa Social, porque o governo federal não aprovou o projeto apresentado, por não adequação "às questões ambientais, patrimônio público, impactos viários, acessibilidades e licenças diversas".

RIO DE JANEIRO
Valor devolvido: R$ 26.749.929 (contratos firmados em 2006 e 2008).
Obras: Reforma de presídio em Campos; construção de Estabelecimentos Penais Estaduais e reforma geral de Instituto Vieira Ferreira Neto; construção de residência para idosos; construção da Cadeia de Magé; construção do Centro de Observação no Presídio da Polinter; reforma na Penitenciária Alfredo Tranjan e no Instituto Candido Mendes; construção de um centro de observação no Complexo de Gericinó, em Bangu; e reforma da Penitenciária Serrano Neves.
Motivo: O governo estadual informou que, devido à mudança de gestão, as obras de construção e reforma passaram a ser coordenadas por órgãos diferentes. De acordo com a Secretaria de Obras fluminense, os recursos do Depen, em parceria com a Caixa Econômica Federal, foram ampliados para a construção de duas cadeiras públicas – uma feminina e uma masculina –, com investimentos de R$ 18.724.871,31 e R$ 12.057.983,83, respectivamente.

RIO GRANDE DO NORTE
Valor devolvido: R$ 14.370.557 (contratos firmados em 2009, 2010 e 2011).
Obras: Construção da Cadeia de Macau, de Ceará-Mirim, da Unidade Prisional de Lajes e reforma da unidade psiquiátrica do Complexo Penal Dr. Chaves.
Motivo: O governo potiguar não esclareceu sobre as obras apontadas no levantamento de devolução do Ministério da Justiça, mas informou que foram devolvidos R$ 10,4 milhões de convênios firmados entre 2007 e 2010. O motivo do cancelamento, segundo o governo estadual, foram entraves burocráticos, como falta de documentação de imóveis e problemas em licitação.

RIO GRANDE DO SUL
Valor devolvido: R$ 20.656.798 (contratos firmados em 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010).
Obras: Construção da Coordenadoria de Perícias de Bagé; da Penitenciária de Bento Gonçalves e de Passo Fundo; de albergue no Presídio Municipal de Bagé; reforma do alojamento do Instituto Penal Viamão e da Casa de Albergado Padre Pio Buck; e construção de albergue em Porto Alegre e de módulo de saúde em local não discriminado.
Motivo: De acordo com a Superintendência de Serviços Penitenciários do Rio Grande do Sul, em Bento Gonçalves e em Passo Fundo, houve demora no processo de execução das obras devido a recursos requeridos pelo Ministério Público contra a localidade de um dos presídios e contra um dos processos licitatórios. A razão do cancelamento dos demais contratos não foi informada.

RONDÔNIA
Valor devolvido: R$ 323.080 (contrato firmado em 2011).
Obra: Implantação de Educação para Jovens e Adultos na Casa de Detenção Dr. José Mario Alves da Silva.
Motivo: De acordo com a assessoria de imprensa do governo de Rondônia, não foi possível executar o projeto devido a problemas técnicos. Além disso, a devolução do dinheiro ocorreu após a assinatura de um decreto presidencial que determinava o cancelamento do repasse de contratos não executados, informou a assessoria.

SERGIPE
Valor devolvido: 2.153.528 (contrato firmado em 2012).
Obras: Reforma do Hospital de Custódia e ampliação do Presídio de Areia Branca.
Motivo: A Assessoria de Planejamento da Secretaria de Estado da Justiça e de Defesa ao Consumidor de Sergipe informou que a ampliação do presídio foi prejudicada por atrasos da empresa responsável pela obra, o que levou à rescisão do contrato. Apesar de o governo estadual ter feito licitação para contratar outra empresa, o contrato foi cancelado devido ao decreto presidencial que determinava a anulação de obras com os estados que não tivessem iniciado os trabalhos. Sobre o dinheiro para a reforma do hospital, o estado informou que o recurso não chegou.

TOCANTINS
Valor devolvido: 14.708.591 (contrato firmado em 2009).
Obras: Construção da Penitenciária de Araguaína.
Motivo: A Secretaria de Defesa Social do Tocantins informou que o cancelamento do contrato ocorreu após a constatação de que, durante a licitação, a proposta vencedora apresentava valores superfaturados. A proposta previa um total para a obra de R$ 19.111.412. A pasta concluiu que os atos praticados no processo violavam as normas constitucionais, o que justificaria a anulação do acordo.

COLABORARAM: G1/AL, G1/CE, G1/DF, G1/GO, G1/MA, G1/MG, G1/MS, G1/PA, G1/PB,
G1/PE, G1/RJ, G1/RN, G1/RO, G1/RS, G1/SE e G1/TO.

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