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segunda-feira, 28 de julho de 2014

CENTROS EDUCACIONAIS PARA ADOLESCENTES 'MUITO PIOR DO QUE IMAGINAMOS'

À esquerda, no Centro Educacional Dom Bosco, jovens fazem refeições dentro dos dormitórios; à direita, acima, utensílios sujos utilizados no Centro Patativa do Assaré. FOTOS: DIVULGAÇÃO
Em maio, 70 adolescentes fugiram do Centro Educacional Patativa do Assaré, naquela que foi a maior fuga da história dos Centros FOTO: NAVAL SARMENTO

Condições sub-humanas. Insetos mortos ao lado de utensílios de higiene. Aparência decadente. Lugar fétido. Refeições feitas ao lado do aparelho sanitário. Pessoas amontoadas em espaço superlotado. 50 dias sem ver a luz do sol. Revolta em cada olhar. A descrição, que mais remete a um filme de terror, é a realidade vivida por jovens internos de três Centros Educacionais destinados ao cumprimento de medidas socioeducativas em Fortaleza, segundo relatório feito em parceria pelo Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública.

Os locais, que deveriam servir para reeducar e devolver os jovens em conflito com a Lei em condições de iniciarem uma nova caminhada na sociedade, clamam por ações urgentes. O resultado do que se vê nos Centros, segundo a Justiça, é refletido nos altos índices de reincidência dos seus egressos - quase 100%, segundo dados próprios - além das inúmeras fugas e rebeliões. No último sábado, por exemplo, cerca de 10 jovens protagonizaram um princípio de rebelião no Centro Educacional Cardeal Aloísio Lorscheider (Cecal), no bairro José Walter. Na ocasião, um dos internos e dois instrutores que estavam de plantão ficaram feridos. Os jovens reclamavam da superlotação do espaço e pediam transferência.

Visitas

O juiz titular da 5ª Vara da Infância e Juventude, Manoel Clístenes de Façanha, a promotora de Justiça Maria de Fátima Pereira Valente e os defensores públicos Andréa Pereira Rebouças e Ricardo César Pires Batista inspecionaram os Centros Educacionais Cardeal Aloísio Lorscheider (Cecal), Dom Bosco e Patativa do Assaré (Cepa). "A escolha dos três foi motivada pelas sucessivas rebeliões e fugas. Somente no Cepa, foram quatro este ano. No Dom Bosco, foram cinco", justificaram.

De acordo com o relatório das autoridades, acessado com exclusividade pela reportagem do Diário do Nordeste, a situação das unidades é avaliada como precária. Ao final, são indicadas providências a serem tomadas pelo Estado do Ceará, pela Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS) e pela própria direção dos Centros Educacionais, em relação à salvaguarda e garantia dos direitos dos socioeducandos, conforme determina o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE).

"Encontramos meninos dormindo no chão. Em um dos centros, estavam há 50 dias sem sair dos dormitórios, nem para tomar banho de sol. Vimos insetos mortos ao lado dos itens de higiene e utensílios usados na alimentação. Os lugares fedem. Todos os internos apresentam problemas de pele. Num dormitório que deveria abrigar dois jovens, vimos até nove. É um ambiente insalubre, indigno", relatou a defensora pública Andréa Rebouças. "A situação é muito pior do que imaginávamos", frisou o juiz Manoel Clístenes.

Para as autoridades, a falta de orientadores educacionais nos Centros e a ausência de prédios semelhantes no Interior do Ceará potencializam o problema.

"Sem os orientadores e instrutores, não tem como tirar os adolescentes dos dormitórios e encaminhá-los para as atividades. Ficando no ócio, eles se rebelam e destroem as casas. Já a superlotação, compromete tudo. Não há Centros Educacionais no Interior. Mais da metade dos que estão internos nas unidades de Fortaleza, não são daqui", aponta Clístenes.

A defensora pública Andréa Rebouças detalha que conseguiu perceber durante as visitas a importância dos profissionais na reinclusão social dos jovens. "Sem o socioeducador, nada funciona dentro da 'casa'. Os meninos se alimentam sempre dentro dos dormitórios, com o alimento entregue pelas grades. Eles não usam os refeitórios. Os dormitórios não têm lixeira, então surge a questão da sujeira, resquícios de alimentos ficam ao chão. Tudo em decorrência da falta de educadores sociais para acompanhá-los", defende.

Já o também defensor público Ricardo César define os Centros Educacionais como verdadeiras prisões para os adolescentes. "Eles não diferem de nenhum presídio que conhecemos. Tem camas de pedra onde alguns dormem. Já outros, dormem perto de onde tem um bojo que serve para os internos fazerem as necessidades fisiológicas. No mesmo local, eles guardam material de higiene, pratos, copos, e usam o espaço até para fazerem as refeições", relatou.

Superlotação

O outro grande problema identificado pelas autoridades é a superlotação dos Centros Educacionais. Segundo os dados obtidos, há quase o triplo da quantidade máxima de internos nas unidades. "O Centro Dom Bosco tem a capacidade de 60 meninos. No dia que visitamos tinha 164. Este número já passou de 186", disse o defensor público Ricardo César.

Com a problemática, os ânimos se alteram dentro das paredes sujas dos prédios. Com isso, as rebeliões e fugas se tornam inevitáveis. Para concretizarem seus planos, os jovens internos não poupam esforços e muitas vezes destroem o lugar que os encarcera.

Clístenes conta ainda histórias de jovens que, diante de uma nova oportunidade, preferiram trocar a liberdade por uma chance de continuar a sonhar com um futuro melhor, mesmo que passando mais alguns dias atrás de grades. "Recebi três pedidos que me sensibilizaram. Eles pediram para ficar internados só para poderem concluir o estágio nas fábricas, dentro dos Centros, para quando saírem terem o emprego garantido. Você não pode dizer jamais que um indivíduo desses não queira melhorar de vida, dizer que eles não têm jeito. Uma pessoa que pede para ficar presa para terminar um estágio, só para quando sair, poder trabalhar naquela empresa. Isso para mim é uma coisa espetacular", ponderou.

Entregue

O grupo já entregou o relatório ao titular da STDS, Josbertini Virgínio Clementino. "Já conseguimos que entregassem um novo kit com colchão, escova de dentes, roupa e outros itens aos internos do Dom Bosco", disse a defensora Andréa Rebouças.

R$ 3,7 milhões serão usados em reformas de Centros, diz STDS

Há uma luz no fim do túnel para a situação. Pelo menos, é o que garante a Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS). Em nota, a Célula de Proteção Social Especial da STDS afirmou que os três Centros Educacionais visitados pelas autoridades passarão por reforma com recursos de R$ 3,7 milhões, já garantidos.

Além disso, outros quatro Centros estão em construção em todo o Estado. Dois deles, um no Canindezinho e outro em Sobral, já estão prontos, faltando apenas equipamentos e profissionais. Os demais, um também em Sobral e outro em Juazeiro do Norte, já estão licitados. Ainda em Juazeiro, a atual unidade será reformada. Segundo a pasta, as 680 vagas atuais saltarão para 950. Atualmente, há 1.040 jovens internos nos Centros. 40% deles são fortalezenses.

Ainda de acordo com a STDS, 300 instrutores estão sendo capacitados para serem incorporados às 14 unidades existentes em todo o Estado, das quais nove estão em Fortaleza.

Já sobre as questões de segurança, a Secretaria garantiu que "firmou termo de cooperação técnica com a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) para a segurança externa das unidades, bem como para qualificar o processo de recrutamento e seleção dos instrutores educacionais".

O relatório das autoridades apontou, ainda, problemas de insalubridade nos três Centros Educacionais que abriga os jovens em conflito com a Lei em Fortaleza visitados pelo grupo.

A reportagem entrou em contato com a Vigilância Sanitária do Município. A entidade alegou que "foi demandada e já realizou as providências necessárias, emitindo os laudos fiscais para os relatórios técnicos e enviou a documentação para a 5ª Vara, que é quem vai avaliar e tomar as providências necessárias".

Setra quer discussão intersetorial

A Secretaria Municipal de Trabalho (Setra), por meio de seu titular, Cláudio Ricardo, prevê mais discussões sobre a situação dos adolescentes e, em específico, as medidas em meio aberto para a reinserção social dos jovens em conflito com a Lei.

Por telefone, Cláudio informou que a pasta prepara um seminário em que o tema será discutido pelas principais autoridades e órgãos diretamente ligados ao assunto.

"Essas medidas carecem de aperfeiçoamento, e estamos buscando caminhos para melhorar este atendimento. Estamos organizando um seminário para discutir este itinerário das medidas intersetorialmente, para discutir os vários caminhos que podemos tomar para melhorar estas medidas", disse.

Em média, mensalmente, a Setra realiza de 2.300 a 2.500 atendimentos a jovens, de acordo com dados próprios.

Atualmente, estão sendo realizados, segundo Cláudio Ricardo, 2.392 atendimentos, sendo 2.031 em liberdade assistida e 361 em prestação de serviços à comunidade.

O titular da Setra, expondo os números, questionou as afirmações feitas pelas autoridades, sobre a reincidência dos adolescentes, após aplicadas as medidas em meio aberto.

"Estamos nesse momento fechando um relatório com o perfil destes jovens que estão atualmente cumprindo as medidas em meio aberto. Os dados que temos até agora é de que a reincidência destes jovens está entre 36% e 40%", defendeu.

AUTOR: DN

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