À sombra de uma árvore, dois olheiros observam do alto do Morro do Dendê qualquer movimentação suspeita em uma das principais avenidas da Ilha do Governador, na Zona Norte do Rio. Há 13 anos é assim na região: o traficante Fernando Gomes de Freitas, de 38 anos, o Fernandinho Guarabu, tenta controlar tudo o que acontece no bairro. Ele é o traficante que há mais tempo está em liberdade à frente da venda de drogas de uma comunidade do Rio.
Agora uma investigação iniciada em 2013 por policiais civis e militares, à qual a equipe de reportagem teve acesso com exclusividade, identificou ao menos 19 policiais militares suspeitos de receber propina de Guarabu.
De acordo com os investigadores, são soldados, cabos e sargentos que integraram o Grupo de Ações Táticas (GAT), responsável por operações em comunidades da Ilha do Governador. Alguns já foram retirados da unidade pelo atual comando, por diversos motivos. A investigação foi entregue em 2015 ao Ministério Público estadual e desde então está sob análise de promotores. Em nota, o MP estadual informou que "não comenta sobre possíveis investigações".
Contra Guarabu, de 2003 a 2016 foram expedidos 14 mandados de prisão pela Justiça do Rio, por crimes de homicídio, tráfico, associação ao tráfico e porte ilegal de armas. Contra seu amigo de infância e braço direito, Gilberto Coelho de Oliveira, o Gil, são nove mandados. Os dois, no entanto, nunca foram presos.
Guarabu está no comando das comunidades desde 2004, quando assumiu após uma sangrenta guerra pelas bocas de fumo que durou nove meses, a partir de setembro de 2003. Pelo menos 20 pessoas morreram em ataques ao Morro do Dendê.
Quando a disputa acabou, Guarabu e Gil se consolidaram no controle do tráfico. Com o tempo, expandiram o controle de serviços, além das drogas, pelas ruas do bairro.
R$ 5 mil por mês a PMs
De acordo com as investigações, PMs ganham R$ 5 mil por mês do tráfico para não reprimir o crime organizado. Em troca, também não são atacados.
Dados da PM apontam o batalhão da Ilha do Governador como o último colocado na apreensão de fuzis em todo o Estado do Rio de Janeiro. Em dezembro, apenas um foi apreendido.
Uma operação da Secretaria de Estado de Segurança (Seseg) e da Corregedoria da PM, em 2016, mostrou que policiais da unidade local liberaram traficantes e são aliados do crime.
Um policial, que pediu para não ser identificado, disse que Guarabu conta com essa ajuda para ter tranquilidade para viver no Morro do Dendê. Os policiais corruptos – que não tiveram a identidade revelada – atuariam também como informantes do criminoso.
O PM, que já deixou de atuar no bairro, contou que, ao chegar ao Grupo de Ações Táticas (GAT), já havia uma verba enviada pelo criminoso para se "fazer vista grossa às ações do traficante".
"Essa falsa tranquilidade dificulta ainda que sejam feitas denúncias contra ele, dificultando assim que o Guarabu possa ser preso", afirmou Zeca Borges, coordenador do Disque-Denúncia, que tem recompensa estipulada em R$ 10 mil por informações que levem à prisão do traficante. Guarabu e Gil: amigos de infância e parceiros no tráfico de drogas (Foto: Reprodução)
Olheiros espalhados
Para se manter no poder, além da propina a PMs, Guarabu faz uso de olheiros espalhados pela Ilha, que tem apenas um ponto de entrada por terra: a Ponte do Galeão. Qualquer movimentação considerada suspeita na Avenida Paranapuã – uma das principais do bairro – e em outras vias de acesso às comunidades é reportada à chefia do tráfico.
"Tanto tempo no poder levou o Fernandinho Guarabu a se capitalizar para garantir, entre outras coisas, a sua segurança. Assim, montou um esquema de olheiros que começa já no acesso à Ilha. Qualquer comboio policial que chega ao bairro é motivo de alerta de sua quadrilha", explica o promotor Sauvei Lai, responsável por oito denúncias sobre a atuação do criminoso.
Controle de vans, gás e TV a cabo
O domínio do criminoso ao longo do tempo se expandiu para outros negócios. Segundo os investigadores, com operação semelhante à de milícias, Guarabu explora o transporte alternativo, a venda de botijão de gás e a instalação de TV a cabo clandestina e internet.
Todo motorista de van que quer trabalhar na Ilha precisa pagar R$ 330 aos representantes do criminoso, segundo a investigação. A polícia investiga um ex-PM – o nome é mantido sob sigilo para não atrapalhar as investigações – como responsável por pegar o dinheiro dos motoristas e levar a Guarabu.
De acordo com policiais, quem se recusa a pagar tem o carro queimado e é expulso do serviço. Quem paga não é incomodado pela fiscalização de trânsito.
O transporte alternativo tem 266 vans cadastradas na Ilha do Governador pela Coordenadoria Especial de Transporte Complementar. O órgão esclarece que, ao tomar conhecimento da cobrança do tráfico, encaminhou um relatório à prefeitura, que repassou as informações ao MP e à Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), por se tratar de uma questão de segurança pública.
Segundo a CETC, hoje há aproximadamente 266 veículos cadastrados pelo Sistema de Transporte Público Local (STPL) em condições de circular – a polícia crê que outros 200 rodem ilegalmente. Diariamente são feitas operações de fiscalização em três turnos no Rio, inclusive na Ilha. De acordo com a coordenadoria, desde o reinício das atividades, em 27 de janeiro, 41 veículos foram autuados no bairro, sendo 10 deles removidos e outro lacrado. Disque-Denúncia oferece R$ 10 mil por informações que levem à prisão de Guarabu (Foto: Divulgação/Disque-Denúncia)
'Populismo'
A prática adotada por Guarabu com seus desafetos é de desaparecer com os corpos. Assim, ele evita cenas de violência no bairro, apontado como uma área considerada estratégica por ter a presença do Aeroporto Internacional do Galeão e de inúmeras bases das Forças Armadas.
Com um estilo assistencialista, em que não se nega a comprar cestas básicas para moradores, Guarabu proibiu roubos próximos a suas comunidades. Quem desafia a ordem é identificado e desaparece nas mãos da quadrilha, segundo a investigação.
Até sobre religião ele opina. Com uma tatuagem com a inscrição "Jesus Cristo", no braço direito, o traficante proibiu qualquer manifestação de integrantes de religiões de matriz africana como a umbanda, por exemplo. Entre os moradores do Morro do Dendê, já se propagou a história de que, para justificar a proibição no morro, Guarabu afirma que ali o "poder é de Jesus".
"Ele se diz evangélico. Por isso, proibiu cultos ou ações de outras religiões. Ainda reprime estupradores. Talvez esses sejam os motivos que levaram parte da comunidade a nutrir uma simpatia por ele", explica o promotor Sauvei Lai.
Moradores contam que ele proíbe a contratação de filmes com conteúdo sexual nos canais de “gatonet”, como são popularmente conhecidos os serviços piratas de TV a cabo.
Em 2010, um primo de Guarabu teve o pescoço cortado por uma linha de pipas com cerol quando andava de moto pelo bairro. A medida adotada foi proibir o cerol nas comunidades.
As práticas, segundo investigadores, são formas encontradas pelo traficante em tentar conquistar a simpatia da comunidade e esconder seus crimes, sem que seja denunciado.
"A quantidade de denúncias sobre ele é muito baixa. Parece que sua postura convenceu algumas pessoas", explica Zeca Borges, coordenador do Disque-Denúncia.
A quadrilha transformou o Morro do Dendê, de acordo com o Ministério Público estadual, em um entreposto de drogas e de armas. De lá, esses produtos são distribuídos para a facção que Guarabu representa.
Ataque a delegacia
Filho de um pedreiro, já falecido, e de uma caixa de mercado, que nunca aceitou a presença do filho no tráfico, Fernando Guarabu assumiu o Dendê aos 24 anos. Em seu aniversário de 27 anos, em 2007, a polícia tentou surpreendê-lo durante a festa no morro. Ele inaugurava uma piscina no alto do morro. O criminoso conseguiu fugir enquanto a polícia apreendeu 10 mil latas de cerveja.
A ação policial irritou o criminoso que determinou um ataque à 37ª DP (Ilha do Governador) que teve a fachada metralhada. O movimento foi visto como um recado e uma sugestão de acordo.
Nesta época, Guarabu percorria a favela com uma camisa do São Paulo patrocinado pela empresa de eletrônicos "LG". No pescoço, um cordão dourado trazia as mesmas iniciais e serviam para mostrar a parceria com o melhor amigo que dura até hoje: "L" de Lopes, como também Guarabu é chamado, e "G" de Gil. O bonde do LG passava a ser conhecido em toda a Ilha.
"É igual a um câncer. Chegou e foi tomando conta. Ele se espalhou e hoje está no dia a dia do bairro", explicou o promotor Sauvei Lai.
Há um mês no cargo, o delegado Geraldo Assed, da 37ª DP, disse que colocará Fernando Guarabu como seu objetivo.
"Bandido é bandido. Não importa se ele se notabiliza ou não pela violência. Há inquéritos contra ele aqui e vamos tentar prendê-lo", prometeu o delegado.
Bairro ‘patrulhado de forma dinâmica’, diz PM
De acordo com o comando do 17º BPM (Ilha do Governador), em nota divulgada pela assessoria de imprensa da PM do Rio, "o bairro é patrulhado de forma dinâmica, através de rondas em viaturas e motos, além de baseamento em pontos definidos conforme o horário de maior incidência de ocorrências para coibir ações criminosas".
AUTOR: G1/RJ
Controle de vans, gás e TV a cabo
O domínio do criminoso ao longo do tempo se expandiu para outros negócios. Segundo os investigadores, com operação semelhante à de milícias, Guarabu explora o transporte alternativo, a venda de botijão de gás e a instalação de TV a cabo clandestina e internet.
Todo motorista de van que quer trabalhar na Ilha precisa pagar R$ 330 aos representantes do criminoso, segundo a investigação. A polícia investiga um ex-PM – o nome é mantido sob sigilo para não atrapalhar as investigações – como responsável por pegar o dinheiro dos motoristas e levar a Guarabu.
De acordo com policiais, quem se recusa a pagar tem o carro queimado e é expulso do serviço. Quem paga não é incomodado pela fiscalização de trânsito.
O transporte alternativo tem 266 vans cadastradas na Ilha do Governador pela Coordenadoria Especial de Transporte Complementar. O órgão esclarece que, ao tomar conhecimento da cobrança do tráfico, encaminhou um relatório à prefeitura, que repassou as informações ao MP e à Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), por se tratar de uma questão de segurança pública.
Segundo a CETC, hoje há aproximadamente 266 veículos cadastrados pelo Sistema de Transporte Público Local (STPL) em condições de circular – a polícia crê que outros 200 rodem ilegalmente. Diariamente são feitas operações de fiscalização em três turnos no Rio, inclusive na Ilha. De acordo com a coordenadoria, desde o reinício das atividades, em 27 de janeiro, 41 veículos foram autuados no bairro, sendo 10 deles removidos e outro lacrado. Disque-Denúncia oferece R$ 10 mil por informações que levem à prisão de Guarabu (Foto: Divulgação/Disque-Denúncia)
'Populismo'
A prática adotada por Guarabu com seus desafetos é de desaparecer com os corpos. Assim, ele evita cenas de violência no bairro, apontado como uma área considerada estratégica por ter a presença do Aeroporto Internacional do Galeão e de inúmeras bases das Forças Armadas.
Com um estilo assistencialista, em que não se nega a comprar cestas básicas para moradores, Guarabu proibiu roubos próximos a suas comunidades. Quem desafia a ordem é identificado e desaparece nas mãos da quadrilha, segundo a investigação.
Até sobre religião ele opina. Com uma tatuagem com a inscrição "Jesus Cristo", no braço direito, o traficante proibiu qualquer manifestação de integrantes de religiões de matriz africana como a umbanda, por exemplo. Entre os moradores do Morro do Dendê, já se propagou a história de que, para justificar a proibição no morro, Guarabu afirma que ali o "poder é de Jesus".
"Ele se diz evangélico. Por isso, proibiu cultos ou ações de outras religiões. Ainda reprime estupradores. Talvez esses sejam os motivos que levaram parte da comunidade a nutrir uma simpatia por ele", explica o promotor Sauvei Lai.
Moradores contam que ele proíbe a contratação de filmes com conteúdo sexual nos canais de “gatonet”, como são popularmente conhecidos os serviços piratas de TV a cabo.
Em 2010, um primo de Guarabu teve o pescoço cortado por uma linha de pipas com cerol quando andava de moto pelo bairro. A medida adotada foi proibir o cerol nas comunidades.
As práticas, segundo investigadores, são formas encontradas pelo traficante em tentar conquistar a simpatia da comunidade e esconder seus crimes, sem que seja denunciado.
"A quantidade de denúncias sobre ele é muito baixa. Parece que sua postura convenceu algumas pessoas", explica Zeca Borges, coordenador do Disque-Denúncia.
A quadrilha transformou o Morro do Dendê, de acordo com o Ministério Público estadual, em um entreposto de drogas e de armas. De lá, esses produtos são distribuídos para a facção que Guarabu representa.
Ataque a delegacia
Filho de um pedreiro, já falecido, e de uma caixa de mercado, que nunca aceitou a presença do filho no tráfico, Fernando Guarabu assumiu o Dendê aos 24 anos. Em seu aniversário de 27 anos, em 2007, a polícia tentou surpreendê-lo durante a festa no morro. Ele inaugurava uma piscina no alto do morro. O criminoso conseguiu fugir enquanto a polícia apreendeu 10 mil latas de cerveja.
A ação policial irritou o criminoso que determinou um ataque à 37ª DP (Ilha do Governador) que teve a fachada metralhada. O movimento foi visto como um recado e uma sugestão de acordo.
Nesta época, Guarabu percorria a favela com uma camisa do São Paulo patrocinado pela empresa de eletrônicos "LG". No pescoço, um cordão dourado trazia as mesmas iniciais e serviam para mostrar a parceria com o melhor amigo que dura até hoje: "L" de Lopes, como também Guarabu é chamado, e "G" de Gil. O bonde do LG passava a ser conhecido em toda a Ilha.
"É igual a um câncer. Chegou e foi tomando conta. Ele se espalhou e hoje está no dia a dia do bairro", explicou o promotor Sauvei Lai.
Há um mês no cargo, o delegado Geraldo Assed, da 37ª DP, disse que colocará Fernando Guarabu como seu objetivo.
"Bandido é bandido. Não importa se ele se notabiliza ou não pela violência. Há inquéritos contra ele aqui e vamos tentar prendê-lo", prometeu o delegado.
Bairro ‘patrulhado de forma dinâmica’, diz PM
De acordo com o comando do 17º BPM (Ilha do Governador), em nota divulgada pela assessoria de imprensa da PM do Rio, "o bairro é patrulhado de forma dinâmica, através de rondas em viaturas e motos, além de baseamento em pontos definidos conforme o horário de maior incidência de ocorrências para coibir ações criminosas".
AUTOR: G1/RJ
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