“Seria um valor de R$ 100 mil para cada. Ou a gente aceitava o dinheiro ou ia começar a morrer alguém da nossa família’, conta uma das vítimas.
Quem está falando é uma jovem de Coari, cidade a nove horas de barco de Manaus, no interior do Amazonas. Não é a primeira vez que ela fala ao Fantástico. Em janeiro de 2014, ela deu esse depoimento à repórter Giuliana Girardi.
“Ele me levou para o quarto e me estuprou. Eu tinha dez anos. Ele é um monstro”, disse a jovem na época.
O homem de quem a jovem fala é o ex-prefeito de Coari: Adail Pinheiro. Adail foi preso em fevereiro do ano passado, depois que o Fantástico denunciou a rede de exploração sexual de menores chefiada por ele. E terminou condenado a 11 anos e dez meses de prisão, em novembro.
O ex-prefeito Adail Pinheiro cumpre pena em Manaus, em um batalhão da Polícia Militar. Segundo o Ministério Público, foi do local que o ex-prefeito mandou ameaçar e oferecer dinheiro para que as testemunhas mudassem a versão do crime. Pelo menos duas mulheres da mesma família, estupradas por Adail na infância, foram convencidas a mudar seus relatos.
“A gente receberia 100 mil para retirar a acusação do Adail ou então iria começar a morrer gente", conta uma das vítimas.
"O dinheiro só seria passado no dia do julgamento. Eu estava ameaçada, restringida de pedir ajuda até para minha família", conta outra vítima.
"Não queria ver um banho de sangue. Deixaram nas nossas mãos. Ou vocês aceitam o dinheiro que eles estão oferecendo ou vai morrer pessoas. E se eu pudesse fazer alguma coisa para não morrer pessoas, eu faria. Eu não tinha escolha”, conta a vítima.
A outra mulher também falou ao Fantástico no ano passado. O depoimento é assustador.
“Eu ficava brincando no barco enquanto minha mãe estava trabalhando. Ele me estuprou dentro do barco mesmo. E hoje em dia ele quer a minha filha”, contou a vítima na época.
Fantástico: Qual a idade dela?
Vítima: Onze anos.
De acordo com as investigações, o plano do ex-prefeito Adail Pinheiro e do filho dele era esconder as testemunhas da família, dos amigos, da imprensa e do Ministério Público. Para isso, alugaram dois apartamentos em Manaus. Os dois imóveis ficam no mesmo prédio, em um bairro nobre. Pequenos, mas confortáveis, com vista para a Arena da Amazônia. O aluguel e todas as despesas eram pagas pela quadrilha comandada por Adail Pinheiro, segundo o Ministério Público.
Delegado: Quem deu esse dinheiro para você?
Vítima: Foi Adailzinho, junto com o Fabrício.
Adailzinho é o filho do ex-prefeito. Fabrício é o advogado dele, Fabrício de Melo.
Fantástico: Qual o papel do filho do Adail?
Fábio Monteiro, procurador-geral de Justiça/AM: Como o Adail se encontrava preso, o filho do Adail ele entrou no trabalho de articulação. A estratégia inicial era mudar o depoimento na própria ação penal.
Ou seja, procurar a Justiça diretamente. O desembargador responsável pelo caso, no entanto, não aceitou que os depoimentos fossem alterados. Com isso, o grupo mudou de estratégia. Uma advogada que segundo o Ministério Público seria ligada a Adail, Elizabeth Cavalieri, levou as duas vítimas para um cartório. O objetivo era deixar registrado que elas teriam mentido sobre a acusação de estupro.
Delegado: Quem foi que orientou vocês a falarem isso?
Vítima: Foi a Doutora Elizabeth. Mas só que a gente não falou nada, ela estava com um rascunho e ela mesma ditou.
Delegado: Depois vocês só assinavam?
Vítima: Sim.
Uma das vítimas gravou escondido a advogada ditando a declaração no cartório. De acordo com o Ministério Público, essa é a voz de Elizabeth Cavalieri: “A declarante desejou expor que a denúncia inicial não foi verdadeira”, diz a gravação.
Delegado: Você confirma todos os depoimentos prestados anteriormente?
Vítima: Da minha boca nunca saiu que isso era mentira e sim da boca da própria advogada. Eu estava sendo coagida naquele momento. Não tive outra opção, não.
O esquema de suborno e ameaças foi revelado ao Ministério Público por um parente das vítimas. Foi ele quem convenceu as duas a contarem a verdade à Justiça. Essa mesma testemunha disse que o ex-prefeito de Coari chegou a fazer várias reuniões no gabinete do comandante do Batalhão da PM.
Fantástico: Coronel, o ex-prefeito de Coari tem algum benefício, algum privilégio dentro do batalhão?
“A partir de janeiro de 2015, o novo comando da corporação, quando assumiu essa gestão, tem a afirmar que então não há nenhum privilégio ao ex-prefeito Adail Pinheiro. Nós não temos como afirmar o que aconteceu no passado, teremos que investigar, teremos que apurar”, diz o tenente coronel Willer dos Santos Abdala, diretor de comunicação da PM/AM.
“Nós estamos pedindo a transferência do prefeito para o sistema prisional organizado pela Secretaria de Justiça”, destaca o procurador-geral.
O Ministério Público denunciou, na última quinta-feira (26), o ex-prefeito Adail Pinheiro, seu filho Adailzinho e os dois advogados, Fabrício de Melo e Elizabeth Cavalieri por falsidade ideológica, uso de documento falso, corrupção ativa de testemunha e formação de quadrilha. Fabrício falou por telefone.
“É uma armação de cunho político. O prefeito está em uma cela, essa cela passa por revista quase que todo dia ou dia sim, dia não. Então essa história de que de dentro do presídio ele comande alguma coisa é invencionice”, diz Fabrício de Melo, parente advogado de Adail Pinheiro.
Fantástico: De acordo com a denúncia, o senhor teria participado desse esquema.
Advogado: Eu não tomei conhecimento dessa denúncia, isso para mim é uma novidade. Eu refuto integralmente.
A advogada Elizabeth Cavalieri foi procurada no endereço que consta na denúncia, mas não havia ninguém no local. Ligamos no telefone dela. Procuramos o filho de Adail Pinheiro no endereço que consta na denúncia.
“Não tem ninguém em casa hoje, agora, no momento”, disse uma mulher.
Também tentamos por telefone. Desde a saída de Adail Pinheiro, Coari já teve outros quatro prefeitos. As denúncias de pedofilia e de corrupção causaram uma onda de protestos. Igson Monteiro, que era vice-prefeito de Adail e assumiu a cidade após sua prisão, teve a casa incendiada.
“A cidade está completamente sem comando. A sensação de insegurança que ocorre dentro daquele município gera um temor absurdo que tem reflexos sem sombra de dúvidas para a população”, destaca o procurador-geral Fábio Monteiro.
“As pessoas culpam a mim, os meus amigos que andavam comigo não andam mais, pelo fato da cidade estar no estado que está, porque o Adail está preso. Lá não tem para quem pedir ajuda. Porque ele manda, né? Ele manda”, disse a vítima.
AUTOR: FANTÁSTICO
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