Canindé/Fortaleza. Um dos mais tradicionais meios de transporte utilizados no Nordeste, o pau de arara, proibido há vinte anos, somente há pouco tempo passou a ser coibido de fato na região. A fiscalização exercida por órgãos como a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e o Ministério Público Federal (MPF) e Estadual (MPE) vem causando insatisfação entre os promotores de eventos religiosos e outros segmentos da sociedade, que defendem “menos rigor no cumprimento da lei”.
Um total de 102 veículos foi barrado durante a segunda etapa da Operação Romaria Segura, que foi deflagrada no último dia 30 de outubro. O destino dos transportes seria a Romaria de Finados, que terminou em Juazeiro do Norte, Região do Cariri, no último domingo.
Ao divulgar seu balanço, a PRF, responsável pela fiscalização nas rodovias federais, informou que cerca de 2.400 romeiros eram transportados irregularmente em compartimentos de carga, distribuídos, principalmente, entre caminhões pau de arara, caminhonetes e camionetas. Grande parte dos veículos autuados saiu de outros Estados do Nordeste, principalmente Pernambuco, Piauí e Paraíba.
Com o intuito de fiscalizar a volta para casa dos romeiros, a PRF salienta que as pessoas transportadas pelos veículos irregulares são transferidas para ônibus convencionais.
A organização da romaria estima que até 100 mil fiéis deixaram de comparecer ao evento neste ano em virtude do maior rigor na fiscalização da PRF. Mesmo com o alto índice de desistência, a Polícia ainda acredita que o número de veículos abordados foi pequeno.
Segurança
Para o jornalista, professor de Comunicação Social e estudioso da cultura popular, Gilmar de Carvalho, a inibição da PRF deve ser entendida como forma de garantia da segurança do próprio romeiro. “Sou contra a utilização do pau de arara como meio de transporte. Não apenas em relação às festas religiosas, mas em relação às compras, ao lazer e ao transporte escolar”, disse.
Conforme Gilmar, o que se busca defender é a integridade física dos fiéis. “Hoje, com a banalização das vans e topics, não é tão complicado alugar um micro-ônibus ou uma caminhonete que atenda às exigências”.
Já o pesquisador da cultura e tradições contemporâneas Paulo Fuísca entende que é preciso com urgência se fazer um trabalho educativo. No entanto, considera que não menos importante é substituir o pau de arara por transporte mais seguro.
“Estamos lidando com um tipo de transporte que é desumano”. Para ele, a questão do vínculo com a fé é adaptável, uma vez que as manifestações culturais, a exemplo do Carnaval, passam por inovações, mas é mantida a essência da tradição. “O transporte como é feito se constitui numa ilegalidade. Nunca é um romeiro que transporta as pessoas, mas sim alguém que lucra em cima de algo obsoleto e atrasado”, destaca.
Fuísca lamenta as condições de mobilidade dos fiéis para os locais de romaria, especialmente para Juazeiro do Norte, comparando à imagem de um poleiro. “As pessoas não precisam sofrer para manter a tradição. Afinal, tradição não quer dizer coisa antiga. O governo tem que ajudar”, salienta.
Continua
Em entrevista coletiva concedida na última terça-feira pela promotora de Justiça de Canindé, Lucy Antonelli Domingos; pelo presidente da Associação do Ministério Público do Estado do Ceará, Plácido Rios; pelo representante da Procuradoria Geral, Alexandre Pontes Aragão; e pela nova promotora de Canindé, Anny Negreiros, ficou claro que a fiscalização de caminhões pau-de-arara vai continuar, mesmo fora de épocas de romarias.
Um Inquérito Civil Público foi instaurado pelo MPE visando viabilizar políticas públicas para melhor organização dos festejos de São Francisco, no sentido de organizar espaços públicos e para que sejam tomadas medidas de segurança no transporte irregular de passageiros.
Plácido Rios lembra que, há mais de vinte anos, essa prática é proibida no País e, somente agora, entra em discussão. “Nós apenas colocamos a lei para ser cumprida. Senhor policial federal, cumpra a lei, o Ministério Público está pedindo apenas o cumprimento da lei e nada mais”, disse.
Para Rios, o que se visa é a segurança dos romeiros. “Esse transporte precisa ter fim. Estamos tratando de uma lei antiga. É preciso respeitar a dignidade das pessoas. Estão transportando gado e cavalos em melhores condições que os romeiros. A decisão tem como objetivo assegurar direito à vida, porque o ser humano precisa ser respeitado e uma vida vale muito”.
Plácido Rios questiona: “Será que as pessoas que organizam as romarias colocariam seus filhos nessa situação? Que venham a Canindé ou Juazeiro do Norte, mas voltem vivas. O MP vai continuar agindo dessa forma em 2015. Não seria interessante mudar uma lei para expor as pessoas. Dignidade para respeitar o ser humano. Estamos discutindo algo batido em todo Brasil”.
No entender de Plácido Rios, “pau de arara é o fim. É preciso paz e harmonia social e buscar simplesmente atender e cumprir uma lei de 1997. Não podemos mais tolerar que, em século XXI, isso continue acontecendo. Não há nenhum tipo de advertência puramente para Canindé por questões de opção religiosa, mas para todas as cidades que promovem romarias. Devemos procurar uma solução para adequação à lei e não fugir dela”.
No documento, o MP relata que, na operação “Romaria Segura” observamos “a ocorrência de crimes de trânsito nas práticas pertinentes ao transporte de passageiros tendo em vista a forma degradante com que são conduzidos, muitas das vezes, na carroceria de caminhões, em longas viagens, sem as mínimas condições de segurança, higiene, em veículos sem banheiro”.
Mais informações
Procuradoria Geral de Justiça (PGJ)
Rua Assunção, 1100, José Bonifácio, (85) 3452-3781
MPF-CE: Rua João Brígido, 1260, Joaquim Távora, (85) 3266-7300
AUTOR: DN
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